quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Conversando com Cazuza


Cazuza, eu e ela vamos tentar ficar amigos sem rancor. A emoção não acabou. Na verdade só está começando conforme os batudes - que não existem em baladas - da nossa música. Aquela, lembra? Ela tocava e não tinha como sentir dor alguma. Tudo ficava anestesiado quando tilintava na parede da alma a nossa música. O beija-flor parava bem na frente e como um padre pedia que eu beijasse a noiva. Não há codinome. Somos eu e ela. Meu caro Cazuza, você até falava bem de amor mas errava no rancor. Além de tentarmos ficar amigos sem rancor, da emoção não ter acabado, voltamos. E é nessa em que acertas em cheio. Amamos o bom do amor.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Anciões

- Eu te trocarei por duas de vinte ou uma de trinta com cara de vinte e cinco.
- E eu te trocarei por um carro do ano, mesmo que seja nacional.
- Cavalo velho quer é grama nova.
- Panela velha é que faz comida boa.
- Eles querem experiência.
- Engraçado, elas também.
- Estamos concordados então.
- Pronto. Agora apague a luz e vamos pra cama logo que as crianças podem acordar.

sábado, fevereiro 23, 2008

O Cartão

O rapaz chega na casa de massagem:
- Olá, tudo bem? - todo sorridente como se sorriso fosse sinônimo de virilidade.
No que a atendente já acostumada com a maledicência das pessoas responde.
- Sim. O que o senhor deseja?
- Desejo prazer.
- Está no lugar certo.
- E quanto é?
- Temos de tudo. Temos para as classes A, B e C. Temos até para as subclasses. Temos até, veja só, pra quem nem tem classe alguma.
- Quero saber da elite.
- Temos uma massagem de uma asiática que faz movimentos que até caboclo duvida.
- Tudo bem. Estou com um pouco de pressa. Meia hora sai por quanto?
- R$4.589,00.
- Salgado. Mas, tudo bem. Deve ser das boas. Você aceita cartão?
- Qual bandeira?
- Sei lá. É corporativo.
- Não aceitamos não.
- Porquê? É do governo!
- Justamente. Não é confiável. Nem puta merece isso.
- E como eu fico?
- O senhor fica na mão, literalmente.

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Ê Matilde

Enquanto espero nesse ponto de ônibus transpareço os pensamentos para que pairem perto de ti, que me espera já atordoada, e te faça menos angustiada. Sei que desde o dia do Absyntho eu, desculpe a empáfia, te sinto o que me menos sinto. A sua distância rasga-me a tranquilidade. Sou um penduricalho prestes a cair em desuso. Pelos meus atrasos você me quer menos. E estou cá, neste ponto de ônibus a vinte e sete minutos esperando o dito cujo. Já perdi chances. E nem os míseros dez reais que escondo no bolso de trás da calça conseguiriam me guiar de táxi até você. Vou dizendo meus segredos para essa poça do meu lado, no olhar de cada branco e pálido e negro e índio que aparecem e somem e suas conduções. Tem gente que avisa que quando não é, realmente não dá certo.
- Oi? Demorei?
- Ahm?
- Estou aqui, conforme marcado. No ponto do 551, ao lado do Delícias da Vida. Não pode ter esquecido novamente.
- Ah, sim. Não. É claro que não esqueci. Estava te esperando.

domingo, fevereiro 17, 2008

Roberval

Foi quando eu senti o clima meio diferente. Meio, não. Totalmente diferente. Sabe aqueles dias em que as sensações parecem incomum com tudo que já foi vivido? Foi um dia assim. E eu tremi e disfarcei. Ela reparou. Não notei, pela primeira vez nela, nervosismo. Veio até mim.
- Nossa! Quanto tempo, não?
- Oi, morena. Põe é tempo nisso. Desde...
- Fazem onze anos. E você sempre ruim com datas.
- E você sempre deslumbrante com as datas.
- Com as datas?
- Tire as datas da frase.
- Roberval, Roberval.
- Como começou?
- Com um desespero quando daquele incêndio na estação das barcas.
- E como continuou?
- Não nos vimos mais. Um beijo, uma noite terminada no Motel e nada mais.
- E como fica?
- Como fica?
- Eu não esqueci de você, morena. Vamos ficar juntos.
Um ladrão nato sabe a hora do assalto. Roubei mesmo um beijo. A polícia e a ética. Tudo chegou ao mesmo tempo. Acho que foi uma duração incontável. Milésimos de segundo. Reação súbita.
- Seu idiota!
- Mas...
Um tapa na cara igualzinho quando nos conhecemos no incêndio na estação das barcas.

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Guga

Um cara que sofreu revés e tentou até o fim voltar a jogar o bom nível do seu tênis. Um grande exemplo como profissional e ídolo. Eu chorei quando ele disse: "não é que eu não queria jogar mais. É que eu não consigo mais."

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Dia sem horas

Não me faça perguntas
Estou num dia sem respostas
Não me peça soluções
Nem pra mim eu as tenho.
Mas vamos sorrir
Tudo é muito relativo e inesperado
Amanha pode ser um novo e ótimo dia.
Um dia típico de primavera
De sol, flores e borboletas
E como assim quero!
Hoje foi apenas um dia sem horas
Sem sentido.
Isso, apenas um dia.
A excessão.

(Thiago Kuerques - 07/11/06)

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Minha história de carnaval

A lembrança mais vaga que tenho de carnaval está numa foto em que eu tinha uns três anos vestido de índio com penas laranjas meio desbotadas quase rosas. Será esse o trauma? Não, não mesmo. Vivenciando de fato me recordo de um carnaval lá pelos anos noventa e pouco. As famílias da baixada - quando podiam - viajavam para a Costa Verde (Muriqui, Itacuruça, Mangaratiba, Sahy) ou para Região dos Lagos (Arraial do Cabo, Cabo Frio, Rio das Ostras).
Era um chevette marrom-claro em que íamos amontoados junto do meu irmão, dos travesseiros, sacolas de tudo perecível, não-perecível, ventiladores e televisão. Pegávamos a Dutra, a rodovia mesmo, depois a Avenida Brasil (sou da época que não existia nem Linha Vermelha, nem Amarela, muito menos azul em degradê). Depois era a Ponte Rio-Niterói, engarrafamento, Manilha, Serra, sei lá o quê. Eram sempre mais de três horas para um oasis nem tão bom assim. Em São Pedro D´aldeia foi mais ou menos assim. Estava muito bom porque nos últimos anos íamos de ônibus. Época em que meus pais ainda eram casados. A diversão para mim, criança muito quieta, era o dia, a praia. Para os adultos era a noite. Numa daquelas noites vi uma noiva entrando em casa. Levantei fortuito. Minha mãe foi na frente sem que me percebesse. Uma noiva estapefada, rasgada e alcoolizada. Danei a perguntar já aceitando a verdade:
- Mãe, papai virou mulher?