domingo, março 30, 2008

Bengala espanhola

Espanhola querida porque não me deixa entrar?
Porque sou latino-americano, africano?
Porque sou negro, pardo, misturado?
Porque sou pobre?

Espanhola querida porque não me deixa chegar?
A chegada é tão bonita.
Não quero arrancar teus euros de graça.
Faço o que a tua prepotência já não quer.

Espanhola querida porque não me trata como gente?
Eu faço obra e você ocupa.
Eu sirvo e você bebe.
Eu planto e você colhe.

Espanhola
Tu és velha
E se não sou eu, imigrante
Tu não anda.
Têns certeza que vai fechar a porta para sua bengala?

quinta-feira, março 27, 2008

Todo César quer seu Brutus

Todo índio quer a sua aldeia; todo Steven Spilberg quer o seu sucesso de crítica e de público; toda Roma quer seu império; todo o Rio quer ser de Janeiro.
Todo crítico quer saber de alguma obra; de obra também querem saber os pedreiros; toda mulher quer o seu homem - ou sua mulher, ou seu animal; todo Raul Seixas quer ser a mosca da sua sopa; todo Fausto quer seu Goethe; toda bailarina quer seu grande espetáculo; e todo espetáculo, porque não, quer a sua grande bailarina.
Todo Romeu e sua Julieta qualquer; todo domingo e seu almoço familiar; toda bola quer seu chute, arremeço, ponto e gol; professor quer aluno bom; patrão quer empregado são; surfista quer o mar showzão; toda criança quer sua brincadeira de se achar adulto; já todo adulto quer seus momentos de criança;
Mas todo mundo quer alguma coisa então; todo Thiago, por exemplo, quer o seu H reconhecido; todo eu quer todo a si; eu quero toda você; todo Cristo quer o seu Redentor; todo eu, então, me rendo a você, porque não?
É por isso que não acho estranho meus olhos quererem de vez em quando lágrimas, nem porradas. É porque tudo se relaciona. Todo boxeador quer levar o seu direto de esquerda; todo costureiro quer furar o dedo na agulha; todo juiz quer dar a sentença errada alguma vez só pra se sentir humano. Até César sabe que foi ele quem quis o seu Brutus. Até eu sei porque tenho estado de luto. Mas tem gente que falaria melhor disso que eu e, no mais, fazendo uma canção.

domingo, março 23, 2008

Filhinha do papai

- O senhor não tem vontade de fazer uma loucura?
- Papo de psicóloga. É. Não, não tenho.
- Não tem nenhuma vontade de fazer uma doideira?
- Não.
- Não tem nenhum desejo reprimido?
- Já disse que não.
- Ah, impossível. Você pode falar pra mim. Todo deputado tem.
- Martha, o que quer?
- Te subornar, pai. Mas não sei de nada ainda.

sábado, março 22, 2008

Sábado nem paixão muito menos aleluia

Sábado da paixão, dia 22 de março de 2008. Fui lá ter com o impessoal que me cerca.
- Vamos malhar? - Eu sugeri sem que me deixassem completar. E responderam concordantes.
- Qual academia?
- Esquece.
Afinal o que é o mundo hoje em dia senão um pote vazio que fala inglês e abocanha dólar e sexo? Não era dia de malhar o judas? Malhei.

domingo, março 16, 2008

Cúmulo do texto

Andei pensando nos cúmulos. O cúmulo da sujeira é o homem lavar dinheiro em praça pública. O da ironia cabe aqui mesmo. É a prostituta romântica que sempre sonhou casar virgem. O da elasticidade é quando eu piso com o pé direito na razão e com o pé esquerdo na emoção, como se encostasse cada pé, um em Yokohama e outro na Cordilheira dos Andes. O cúmulo da perfeição é se apaixonar pela mulher da minha vida e saber que ela por mim é perdidamente apaixonada. O cúmulo da exaustão é gritar com os olhos porque não se tem forças para fazê-lo com a voz. O cúmulo da miudeza é deixar na caixa de fósforo e fazer um grão de arroz como travesseiro. O cúmulo da falta de assunto é querer falar algo bonito e sair apenas um sorriso. Mas aí é que o assunto começa. O cúmulo da arte é escrever como Fiódor Dostoiévski e cantar como Elis Regina. O cúmulo da cegueira é abrir os olhos diante do amanhecer em Copacabana e perceber que a praia está suja ao invés de sentir o prazer de ser brasileiro e ser bonito por natureza. O cúmulo da beleza é correr pra ver a Ana Hickman de perto e tropeçar no meio do caminho com a Maria Fernanda Cândido. Aliás, isso não seria o cúmulo de sorte? Não. Mesmo porque o cúmulo da sorte é te conhecer. E o cúmulo do texto é escrevê-lo para me escrever.

sábado, março 15, 2008

Nem todas as flores desse mundo

Pulei muito alto. Bati a cabeça no teto branco de gesso. Nem doeu. Mas fez desequilibrio em mim. Tropecei ao descer da cama. Fui correndo. Cama, tapete, porta, corredor, escada, mais escada, sala, corredor, passei em frente ao banheiro, cozinha, avistei a geladeira, pia ainda úmida, tapete da porta embolado, um pé atrás do outro, quintal, cerca vencida num pulo. Gritei por ela. Olhei para o lado esquerdo e só vi um bigode carregando seu fila-brasileiro. Do lado esquerdo só vi o que vi em frente. Rua vazia de gente e de cor. Sei lá. Gritei denovo. Falei em tom ameno. Sussurrei. Não deu certo. É uma lástima mas a cama me levou mais um amor. Se ao menos soubesse que não era falso. E o bigode que nem é bobo nem nada disfarça. Vem todo mineiro e conta que viu uma mulher dobrando a esquina do mecânico. Disse que não se fazem mulheres como antigamente. Eu, é claro, perguntei como era antigamente. Ele só disse que as mulheres eram menos ousadas. Eu ri. Entrei em casa à toda. Mas é claro. O bigode estava certo. Ela, Marina, era branquinha que só vendo. Trabalhava numa loja de roupas íntimas dentro do shopping. Mas é claro. Deu dez horas e as lojas se abriram. Marina, Marina, muitas e muitas vezes Marina.
Rua, tantas ruas. Mais ruas. Ruas. Esquinas. Ruas. Avenidas e ruas. Shopping.
Ó, Marina. Só vim dizer que nem todas as noites serão iguais e nem tão diferentes. Ela diz que está trabalhando. Replico. É sério. Ela não podia falar na hora. De verdade, Marina. Qual a que mais gosta? Eu perguntei isso. Deu insanidade na circulação sanguínea. Suspirou um por favor. O que quer que eu faça para acreditar no que digo? Ela disse acreditar. E não acreditava. Em segundos adentrou um caminhão de flores. Muitas e muitas. Ela correu como gato corre da água. Zuenir, a patroa, pediu para que eu voltasse depois. Soube que ousar nem sempre é a melhor coisa. O único problema é que eu a amo. Ah, e ela odeia flores.

quarta-feira, março 12, 2008

Beijinho

Provei de pastéis
De bolinhos
E de bolinhas de queijo
Deliciosamente cruéis.

Provei de docinho de côco
De cuzcuz
E de goiabada
Lamentavelmente pouco.

Provei do doce dos tolos
O beijinho
Tinha até morango
Leite condensado
É a entorpecência dos amores loucos.


INGREDIENTES:
1 lata de leite condensado
2 colheres de sopa de manteiga ou margarina sem sal
100 g de coco ralado

MODO DE PREPARO:
Leve ao fogo em uma panela, mexa até abrir estrada, ficar em ponto de enrolar.
Coloque em um prato deixe esfriar.
Faça bolinhas passe no açúcar cristal, coloque em forminhas.
Sirva.
Pode-se enfeitar colocando um cravo em cada docinho.

segunda-feira, março 10, 2008

A vida não é uma comédia romântica e eu não sou o dono da história

Na rua deserta e madrugada ele se levanta da calçada quando a vê chegando de uma festa. Era apenas para entregá-la o anel de compromisso. Bêbado do mais alcoólico dos sentimentos.
- Então diz. Diz que não me ama. Derrete esse anel e faz um pingente. Aceita e em troca eu só quero um beijo.
- Não posso.
Ela vira de costas. Ameaça fugir. Ele a agarra por trás a beijando na nuca dizendo:
- É o último beijo. A última cena. Aí vou embora e saio do seu filme para sempre.
- Se eu for beijar você agora vou querer beijar muito mais. A vida inteira. Toda noite. Evitar de vez em quando até de vez em quando virar nunca mais.
Se tocam nos lábios. É beijo mas não é beijo. É final feliz mas não é final feliz. Era a maldita racionalidade se pondo entre dois encaixes de amor.
- Não posso ficar com você.
O argumento o faz lacrimejar.
- Eu não posso. Não quero gastar esse amor. Quero guardar ele assim, pra sempre.
- Nada vai mudar.
- Não depende da gente. É o tempo.
- Que tempo é esse que vai mudar o meu amor?
Impera o silêncio. Ela parece irredutível.
- De que tamanho? De quantos séculos?
- Trinta anos.
- Eu espero. Só pra provar pra você que amor não se mede por fita métrica. Muito menos por calendário.
(Do filme "A dona da história")

Quem sabe os filmes não foram inventados para acreditarmos no amor e nas suas coisas fantásticas por pelo menos duas horas de tela grande? Basta sair e reparar que a vida não é assim. E Veríssimo me disse a algumas semanas atrás que a vida não é uma comédia romântica.

segunda-feira, março 03, 2008

Eleitora do Aécio

Juro que estava bem no meu canto. O bom do ônibus era o ar-condicionado. Tenho a mania de sentar sempre na metade do ônibus que é pra nenhuma coroa parar ao lado com cara de vítima para eu ceder meu valioso lugar. Não sou insensível, minha gente. É que eu sou um iluminado. Faça as contas comigo. Se são mais ou menos trinta lugares porque somente eu para levantar? Pela minha cara de adolescente? Por favor. Faço a minha parte mas tem dia que o cansaço prevalece. E naquele dia foi assim. Peguei o ônibus no ponto final. Uma filazinha de nada. Sentei na ultima poltrona do lado esquerdo, janela. Abri o semanal. Ônibus ligeiramente vazio. Lia uma matéria sobre a eleição do Aécio para presidente. Votei nele. Percebi alguém sentando ao lado. Perfume doce. Não sou chegado. Mas não desagradava ao todo. O ônibus partiu.
Chovia do lado de fora. Era morena. Mas não cheguei a olhar para ela. Assim na cara de pau? Não, não. Ela que olhou. Engoli a seco a falta de jeito. Disfarçou e recostou em mim. Soltou a mão na minha coxa. E tirou. Pensei comigo que seria sem querer.- Também votei no Aécio.Eu sorri meio seco, meio sem graça. Nunca consigo falar assim, do nada. Mas ela continuou.
- Gelado aqui.
- É.
- Vazio aqui.
- É.
A mão voltou. Foi subindo. Chegou na minha virilha. Comecei a enrubecer. Foi levantando minha camisa. Olhei para frente o cobrador dormia. Começou a abrir a minha calça, soltou o cinto.
- É, opa. É, espertinha você.
Não me respondeu. Gaguejei e ela não respondeu. Beijou minha barriga. Safada. Cachorra mesmo. Desceu a minha calça até os joelhos. Com a boca no meu pescoço e a mão no meu guerreiro. Começou a mexê-lo. Parou.
- Que isso, pára não.
- Mas...você...
- Eu o quê?
- Me agarrou! Seu louco!
Levantou. Saiu do ônibus. Não sei se todas as mulheres são loucas. Mas quase todas são. Acordei do tal sonho. Sim, o ônibus foi imaginação. Levantei e admirei a minha esposa que dormia ao meu lado na cama. Certa vez ela criou caso dizendo que eu era cafajeste antes de conhecê-la e que não duvidava nada de que eu continuasse sendo com ela. Lembrei do sonho. Nunca mais discordei das mulheres. Portanto deixo que a expressão, o olhar e a cumplicidade expliquem a fidelidade ou qualquer outra coisa que não se enxergue quando falamos. E deixo escapar também que sou fã até hoje das eleitoras do Aécio.