quarta-feira, setembro 17, 2008

Namorada da infância - Parte II

Um blefe. Ela aplicou um blefe. E eu compadeci no blefe de um apaixonado. Atendeu falando que demorei a ligar e que não me atendera antes porque não tinha visto. Sorriu no final da primeira frase. Conheço-te Clarisse. Viu e viu muito bem. Não atendeu para pôr adrenalina na coisa.
- Quanto tempo, Baldinho.
Sabia que era eu antes mesmo de ouvir algo. Não falei nada. Confessou ter me reconhecido assim que parei perto dela dentro do metrô.
- E porquê não falou comigo?
- E porquê o senhor não falou comigo?
Preto no branco? É, menina. Uma vez ficamos sem nos falar por uma semana. Uma eternidade. Só porque não dei nada de Dia dos Namorados a ela pela manhã. Nem quisera ouvir o que eu tinha para falar. Só disse que era pra ter a acordado como um marido apaixonado. Presente de tarde ela não queria. Não fala mais comigo porque agora é preto no branco, setenciou a pequena Clarisse. Até hoje não sei o que é o preto e o branco dela. Isso é isso, deve ser. O fato é que nem nas missas de domingo a pequena falava comigo. Disfarçava, não me via. Uma eterna semana. Depois me pediu uma flor e uma bitoca. Tudo certo. Me fez pedir desculpas. As dei.
- Não falei contigo porque fiquei com receio de não me reconhecer.
- Você tem as mesmas covinhas na bochecha. Tá uma criança grande. Nada irreconhecível, Baldinho.
- Para com isso de Baldinho, por favor.
Ela gargalhava da mesma forma. Com a mesma bravura doce da uma menina única. Falamos da viuvez dela, da filha de três anos, das viagens, da faculdade dela, da minha, da história do rabisco no portal do Seu Manel, da minha pieguice, das brincadeiras dela e da minha separação recente. Marcamos um encontro para depois da aula dela, às seis no Forte de Copacabana. É que ela trabalha em um Hotel ali na orla.
Uma vez a pequenina queria porque queria ir à praia. Mas queria que fôssemos sozinhos. Queria que eu, com treze anos, a levasse. Sabe que de Marechal Hermes até lá tem muito espaço pra se percorrer. Pegamos o trem sabe-se lá como. Uma vez no mar deixamos as coisas na areia. Um cara levou nossa sacola com uns trocados e sandalias. Não me lembro como voltamos. Sei que foi no dia seguinte, famintos e sujismundos.
Encontramo-nos pontualmente com meia hora de atraso. Paramos em um restaurante por ali mesmo. Conversamos tudo. O que era nada.
- Sabia que nos reencontraríamos.
- Porquê?
- Para irmos à praia novamente sem ter como voltar, sem planos, só por espontânea vontade.
- Está logo ali em frente. Eu topo se falarmos apenas de coisas boas.
- Fechado. Preto no branco.
Deitamo-nos lado e lado com o som das pequenas ondas na areia com os olhos voltamos para o céu. Clarissinha e Ubaldinho. Não tínhamos como voltar mesmo. Anoiteceu e a praia virou um deserto. Somente nós dois. Duas crianças. Ela se virou pra mim e pediu um beijo demorado. Abriu minha boca com a sua língua e a mexeu dentro da minha boca. Uma sensação de nojo e prazer ao mesmo tempo. Vai ver que foi por isso que não sei como cheguei em casa.
- Lembra dessa praia?
- Se você, agora Ubaldo, está se referindo àquela noite quando éramos crianças te digo que está enganado. Era Ipanema. Mas eu lembro.
Praia pra mim era tudo igual. Areia e mar. Era noite.

domingo, setembro 14, 2008

Namorada da infância

Uma hora da tarde. O exato instante que a manhã escondeu as caras e a tarde assume o
controle do dia. E foi por aí que havia fechado o livro. Não guardei a página mas foi à
altura das artimanhas da Capitu pra cima de Bentinho, ainda novos. Quero uma manhosa, uma
artista, quero uma cheia de artimanhas. Quero que saiba exatamente a manha de ser e não
apenas de estar. Ser ou estar é que nem o muito bom pra agora ou bom para quase sempre. Você aí do outro lado me entende? Quero uma Capitu para me apaixonar, me consertar ou perder a
sanidade de vez.
Rabiscou o portão do Seu Manel. Escreveu nada. Só rabiscou. Pôs a letra C e a letra U. Castelo? Casa? Carniça? Adorávamos brincar. Um? Umbigo? O meu é daqueles que é um vão com um morrinho dentro. A da maioria é apenas um vão. Um buraco. Mas o U, no caso, era de Ubaldo, Ubaldinho, Dinho. Podia ser. Todos me chamavam de Dinho, exceto ela que ou chamava de Ubaldo ou de Baldinho só pra me irritar. Olhos amendoados, cílios grossos e olhar cínico. Éramos malditas crianças de treze anos descobrindo as coisas. A diferença era de quatro meses na idade e que ela parecia saber de todas as coisas da vida e eu ainda descobrindo. Uma puta
virgem e apaixonante.
Estação Del Catilho, metrô linha 2, sentido Estácio. Não sei porquê mas a moça de vestido preto me fez lenvantar os olhos, a cabeça, o corpo. Passou e parou no final do vagão. Levantei e permaneci de pé a uns três metros dela. Era magra. Muito magra. Nem tão magra. Mas era magra. Sei lá. Descobri em cinco segundos o que me tomou a atenção. Olhos amendoados, cílios grossos e olhar cínico. Sorriu pra meia-dúzia e saiu cínica continuando a viagem até a Carioca. A segui. Quando parou para atravessar a rua após sair da estação recostei a centímetros, milímetros se fosse o caso. Senti um perfume bom. Taquei meu celular como um assaltante às avessas dentro da bolsa dela. Voltei e a dois dias não durmo.
Época boa. Um dia brincávamos de imitação até que fui atender mamãe. Havia voltado em trinta minutos. Deparei com Clarice dormindo no sofá, uma anja. Na frente do sofá havia um espelho grande. Chamei-a umas vezes sem sucesso. Comecei a ler sozinho um conto que líamos sempre.
Reparei quando me virei de frente para o espelho que Clarisse abriu inocentemente os olhos. Voltei e ela continuava estática. Fingida.
Assim que cheguei ao trabalho toquei para o meu celular. Faziam uns vinte minutos depois que
pus o celular na bolsa dela. Não atendeu. Continuei tentando. Ela atendeu.

sábado, setembro 06, 2008

O casamento em um pote de sorvete

Se não tem ainda, terá. É sentimento de culpa, momento de euforia, nota baixa, decepção com alguém confiável, trocar sal por açucar, achar que o pote de sorvete guardado no congelador era realmente sorvete e não aquele feijão velho. O menino do rio era feio, rapaz. A garota de ipanema, uma rapariga de barriguda. Mas era moda ser feio. Mas era moda ter saliência na pança. A minha moda, em particular era viver. Não tem história de surfista da zona sul fazendo sexo na areia ao raiar do dia não. A minha é pra lá de Marechal. Pra lá de Campo Grande. Pra lá de Campos. Escolhe uma cidade distante aí, é nela. Limitei a dizer aquelas coisas que só se vê em filme.

- Escolhe um planeta.
- Um planeta? Saturno. Adoro os anéis. É mais pelo cliquê e não pela música da Rita Lee. Aposto que iria me levar para lá, não é mesmo?
- Te levo aonde quiser.
"- Só se for em pensamento. Gosto tanto do Pradinho mas assim fica difícil. Ele sempre diz que irá me levar em algum lugar. Sempre o mesmo sorriso romântico. Sempre a mesma melodia. Minha rádio quer sabia dessa MPB de sempre."
- Faz tanto tempo, não?
- É. É meio estranho.
- Mudei?
- Claro. Fazem cinco anos. Você era careca, praticamente. Raspava a cabeça.
- E você era do Ensino Médio.
- E sonhávamos.
"- Ela está linda, como sempre. Não mudou nada. Casados há cinco anos, quem diria. E eu irônico como nunda."
- Eu sonho ainda, minha peixinha.
"- O ruim é deixar passar pela primeira vez. É como sexo que faz entrar o dito cujo uma vez, um sofrimento e depois disso vira rotina. Era pra ter dito que não gosto que me bajule o tempo todo e que não gosto que me chame de peixinha. Não sou do mar."
- Meu...meu...meu lindo.
- Seus seios continuam lindos.
"Flácidos"
- Obrigada. Suas pernas continuam torneadas. Parece jogador de futebol.
"Gelatinas"
- Rosto jovem ainda.
"Enrugada"
- Seus cabelos grisalhos dão um tom charmoso...
"... e idoso. Se cuidasse..."
- Me ama?
- Gosto muito.
"- Ela não disse que ama. Não disse. Olhou pro chão. Rastejava por mim. Agora lateja de tesão por ver Saia Justa no GNT. E só."
- É?
- Te amo, claro.

E depois de umas semanas nos cruzamos no pior sentido da palavra cruzar. Ela cruzou as pernas e nada de sexo. Eu cruzei a cidade e tudo de sexo. Cruzei o portão e nada de Amália. Cruzamos por mais umas vezes. Um dia atinei a chegar em casa mais cedo. o Álvaro estava na sala vendo TV de cabelo molhado. Banho tomado, sabe? Outro dia a Rita ligou lá pra casa. Não passou disso. A conversa não passa disso. Sabemos de tudo e não sabemos de nada.

"- Se eu tivesse tido a coragem de não seguir em frente com algo à meia porção de prazer."
"- Se eu não tivesse forçado tanto a barra."

Eles só tem dois filhos. Só dois filhos. E é nessas horas que encontramos o pote de sorvete cheio de feijão congelado. Essa é a tônica do casamento até que me provem o contrário.