segunda-feira, maio 31, 2010

Manual de Desinstruções

Um dia de tanto pedir recebi sabe-se lá como um manual de como amar, do caminho para se chegar a plena felicidade e de como sair de , assim, tão menos presentes dores do coração. Era um didático de mais de 700 folhas, com gravuras e dicas irresistíveis. Até receita tinha. Não me faça recordar das gramas e colheres mas estavam registradas doses de manga doce, tabletes de chocolate, algo de aroma de jasmim, minutos de desenho animado, horas e horas de sexo feito com amor, momentos de adrenalina no limite, canto da torcida no estádio lotado, reencontros logo após desencontros que matam saudades, recomeços após recomeços, reconhecimentos de carinho, de pessoas, de sabores, viagem com amigos, dança sensual, dança engraçada, descobertas inéditas para o mundo novinhas em folha, sucesso de novela e liberdade de beija-flor. Um manual meticuloso, metódico, racional e bem planejado. Ensinava como numa linha de montagem passo a passo como bem estar. Retomei a primeira lição. Estava amando, e amando bastante, lutando contra as corriqueiras barreiras de um amor grandioso. Lá pela página décima quinta dizia que devemos olhar bem nos olhos, dizer as palavras certas, treinadas, e bem colocadas no momento, entregar algumas coisas bem ordenadas. Parei ali. Ordem. Onde há, no amor, ordem eu quero desordem. Onde há boa colocação eu quero espontaneidade. Onde há treino eu quero improviso. Fui a um fumante mais próximo, pedi seu isqueiro e pus fogo. Da fogueira esquentei o dia gelado. Abracei a minha amada que pela primeira vez aceitou um beijo meu.

domingo, maio 23, 2010

E se eu te oferecesse um tapa?

- Você sempre aceita tudo que ofereço? - perguntou Camila.
- Acho que sim.
O que ela quis com essa pergunta? Eu realmente não sei.
- Porque? - insistiu.
O vento ficou surpreso. Até o gatinho Memeu saiu de fininho.
- Porque...sei lá porque.
- Responde.
Olhei intensamente naquela bolinha preta dentro dos olhos cor de caramelo dela. Olhei pros lábios finos, como ligeiros rabiscos na hora de finalizar uma grande obra. Minha boca secou.
- Acho que é porque ainda não houve alguma coisa que eu pudesse negar.
- E se eu te oferecesse bosta?
- Eu negaria.
- Bom. E se eu te oferecesse um tapa?
- Eu teria que ter feito algo pra isso.
- Então faça. - disse ela ajeitando o corpo para receber algo qualquer que seja.
Eu queria ou não fazer valer um tapa? Demorei. Não conseguia pensar. Ela me daria um tapa se eu roubasse um beijo. E talvez nem me considerasse mais.
- Então faça, cara.
- Tem certeza? - emendei amedrontado.
Ela parou. Fuzilou com o caramelo dos olhos. Me melou. Escorreu um veneno em mim. Era o alcool procurando a combustão. Riu-se de canto de boca, olhou para minha boca, pôs a mão direita esfregando a nuca e os cabelos absurdamente lisos:
- Vai fugir do meu desafio? Anda! Faça algo para merecer um bom tapa.
Cheguei mais perto. Respirei fundo como se fosse mergulhar em um mar escuro e gelado.
- Espero que valha um tapa.
Passei a mão na...
- Puta que o pariu. Isso? Mão na perna?
- Voce é muito fraco.
Eu sorri. Adorava entortar a primeira impressão.
Peguei-a pela blusa. Rasguei num movimento só e tão facilmente que nem sei como. Com o braço direito puxei-a, pus o antebraço bem naquela curva da coluna perto do baço, antes da bunda. Ela tinha covinhas.
- Uu... - gemeu ela.
Um beijo interminável. Ambos ofegávamos desesperados. Era um prato quente esperando pra ser degustado. Não podíamos deixar esfriar. Camila abriu o zíper da minha calça que caiu na hora e correu pra abrir a dela que reclamou pra descer. Pulou em cima de mim. Pus a perna direita em cima da cadeira. As pernas dela enlaçavam a minha cintura. Mordeu meu pescoço. Mordi o bico do seio. Ela tremeu e começou a gemer mais. Rebolava com o meu dentro dela. Rebolava ritmada e felina. Tentou me arranhar. Juntei os dois braços atrás das costas dela e segurei com apenas uma mão. Ela continuou rebolando de um lado pro outro, de cima pra baixo. E eu fazia os mesmos movimentos, só que mais violentamente. Estávamos já suados. E tudo se misturava. Pés nas pernas, coxas nas coxas, mão na bunda, mão no meio da bunda dela, um dedo só, aquele som de pele com pele, barriga com barriga, peito com peito, com ombro, com boca, com língua, com dedos. Ela já gritava. Eu também. Até que ela começou a tremer, gritar descontrolada e diminuir os batimentos, os movimentos e abriu os olhos bem lentamente.
- Acho que sim. - disse ela.
- O que?
Ela desceu e eu ganhei um forte e merecedor tapa na cara.

terça-feira, maio 18, 2010

À gerência

Pedimos a colaboração de não jogar palavras ao vento, não cobrar taxas por declaração de sentimento, não acabar com prazer de momento. Pedimos que os senhores e senhoras sejam razoavelmente educados e tolerantes com qualquer coração, olhar perdido e exclusão de cartas, papéis, msn e orkut. Pedimos que não pixem retratos, não joguem água em nenhum chopp, que deixe ser como será e que este coração, se for morrer, que morra de amor.

À gerência.

quinta-feira, maio 13, 2010

O homem nu

Acho que vou ficar surdo.
Não ouvir o que o passado tem a dizer.
O passado é ruim, é mal passado, é amarrotado.
Depois vou ficar mal.
Serei uma maledicência deliciosa de homem com barba cerrada.
Acho que vou ficar impertinente.
Vou sair por ai só pra dizer que saí.
Quem disse que sou sem sal?
Logo depois vou ficar mais teimoso.
Tem que dizer pro vencedor que ele não ganhou nada.
Tenho que, ao menos, fazer da vitória do outro algo valioso.
Acho que vou ficar dengoso.
E no final da batalha eu deito no colo do meu dengo.
No momento seguinte vou ficar bonito pra caramba.
Vou me pintar feito um quadro manchado.
E será assim que vão me achar belo.
Gritem!
Acho que vou ficar mudo.
E tanto quanto ficar como um animal.
Das poeiras que enxergo eu relevo que tenha defeitos.
Mas revelo que tem paraíso na voz, felicidade na cor.
O tom de pele esquenta.
Acho que vou ficar indecente.
Por isso vou ficar gostoso.
Por isso você já é gostosa.
Acho que vou ficar esquisito pra caramba
Se eu parar de achar
E ficar logo nu.

segunda-feira, maio 10, 2010

Amor de salão

Era número cinco, na rua da ladeira. Tremia a cada passo em direção ao salão. Chovia um mundo inteiro. Haviam árvores em todo o calçamento. E mais que pessoas, mais que sorrisos, mais que música, havia medo. Era a primeira vez que se viam. Era um aniversário vistoso. Sei lá. Nunca se soube que festa era aquela. Sentou-se, ele, à direita do que se parecia com um pedestal. Sentou com uns três estranhos. Padeceu horas com os olhos desencontrados por aí. Mal imaginava o que seria ela. Magra, rechonchuda, alta, miúda.
Quisera ela que fosse tudo certinho como nos sonhos mais rosas. Se fosse fácil não existiriam as novelas. Nem esse aqui que vos escreve teria tamanho tesão para lhes contar. Nem saberia como descrever o quanto ela demorou tanto escolhendo a mais perfeita roupa que não havia reparado nas duas horas e meia de atraso.
O salão era espaçoso como uma audiência de pena de morte. São sempre kilometros que separam um do outro através de um silêncio sem perdão. E o castigo de serem desconhecidos era o sadismo mais gostoso que os dois disputavam. Um lugar comum. Sim, comum no século passado. Detalhes do período imperial. Mais parecia um Theatro Municipal em um espaço atemporal com cadeiras bem distribuídas e luzes a meia-luz.
Mal chegou e o viu, calado, encrostado entre a solidão e a multidão. Seguiu na direção dele. Tocava numa romântica qualquer. Ele seguia os olhos para o chão depois de ter visto o relógio pela enésima quinta vez. Ele levanta-se. Ela se aproxima. Apagam-se todas as luzes. Nem era combinado. Realmente acabou a energia. Vá lá, a mão dela escorreu pelo peito que se virava em sua direção. Ninguém enxergava nada. Eles enxergavam tudo. Os gritos evasivos de quem tem medo do escuro deixavam surdos ambos. Queimaram quarenta e cinco segundos tentando fazer com que as bocas se encontrassem. Recostavam os lábios pelos pescoços, pelos ouvidos, pelos olhos e bochechas. Fecharam os olhos. Pareciam os únicos que enxergavam na escuridão. Ninguém os via. Nem a mais eficaz visal acostumada com o breu os via. Apagaram de vez as luzes do minutos. Os corações misturavam as batidas ora por estarem juntos, ora por se tocarem, ora pelo perigo, ora pela multidão cega, ora por ser sexo mesmo. Não sabiam quanto tempo tinham. E assim mesmo foi. Ela facilitou e desceu as alças do vestido. Ele tirou a própria calça como se fosse uma sujeira na pele. Livrou-se do paletó e da camisa só livrou-se quando ela arrancou-lhe ignorando os botões. Enquanto isso ela ja estava só de calcinha. Ele pôs as duas mãos em cada lado da cintura dela e a trouxe pra perto, rápido. Ela pôs as pernas entre a cintura dele num pulo de gata. Assim mesmo, fazendo cócegas debaixo dela que ele a levou para o canto. Não esbarraram em ninguém. Rasgou a calcinha como se fosse papel. Talvez a calcinha já quisesse sair por si só. Puxava pela nuca os cabelos curtos e negros da mulher. Ela arranhava-lhe com dentes e unhas. Fazia mordidinhas entre as pernas dela. E depois ela entre as pernas dele. Ela fingia ser um pirulito que nunca poderia acabar. Fazia devagar para não gastar. Fazia rápido para gozar. Era indecisa. Ele também. Conviviam bem com isso. Sabia cada coisa que ela gostava. Mas era hora de ser o homem estranho. Ela também. Por isso experimentou colocá-la de costas beijando a nuca da branca, encaixando tudo que desse atras dela. Com a mão direita colocava os dedos deslizando por virilha abaixo. A mão esquerda revezava entre boca e seios. Puxava os bicos até se excitar com gemidos e tremores das pernas dela. A barriga se contraia. As pernas apertavam como se fossem matar alguém. Até que ela de repente saiu de perto e deu-lhe um bom tapa na cara. E deu mais um. Mais outro. No quarto ele segurou a mão. Com a mesma mão segurou uma das pernas. A outra segurou somente uma perna. Abriu e pulou nela como se fosse um castigo que a criança mais espera. Não podia gemer. Mas o último orgasmo foi tão forte que não teve jeito. Gritou. E a luz piscou. Menos de um segundo. Eles recuperavam o fôlego. Não sabiam onde estava qualquer roupa. Por ali só caminhava a calcinha rasgada. E assim ficou.
Acenderam-se as luzes do salão. Já eram cinco da manhã. Não havia mais ninguém em um festa apagada.

quarta-feira, maio 05, 2010

Domada

Quero uma apática
Que não faça pirraça
Não me arrebata em nada
Faça menos graça
Faça nada em toada
Não reclame da toalha molhada
Nem finja desgraça

Quero uma amarga
Sem sorrisos piranhos
Que não fale se arranho
Nem se barganho
Nem se demoro no banho
Que não me agarre no canto
Alguém que não amo.

Quero ninguém então
Perdido no senão
De ter escutado um não
Mulher eterna, senhores
Desgraçado coração
Cuspa na minha mão
O amor vivido em vão.

- Mentira!

domingo, maio 02, 2010

Mão Direita

- Bom apetite. - Obrigado.
Quem deseja bom apetite para quem vai escrever? Era coisa de escritor mesmo. Pareciam dois personagens dos filmes do Woody Allen, duas caricaturas dos intelectuais novaiorquinos excêntricos e covardes. Que ele tivesse um apetite enorme por boas palavras, inspiração e tudo o mais do mais. Mas que escritor vai ter boas palavras se ele apenas vive de romances encoxados de mel? As palavras boas estão pelas ruas. E o escritor que vos escreve mal sai do casulo. O Rubem Fonseca, por exemplo, é um enjaulado tinhoso que não suporta sair por ai a toa para ser visto. Mas já viu bastante para uma vasta obra policial. Não precisa nem escrever mais. Quanto mais sair pra ver a vida. Por tanto e tudo, resolvi perambular antes da primeira palavra do último capítulo da derradeira história que me daria talvez o ouro da literatura. Daria o reconhecimento de fãs, os três devotos leitores que, sabe-se lá porquê, continuam lendo persistentemente. E com uma câmera na mão o matuto tirou fotos e deu esmola, molhou e foi molhado, trabalhou e foi muito bem trabalhado. Viu o deficiente mijando em si, arrastando o cotoco pelo chão do trem choroso. Viu a criança engraxando sapatos na frente da rodoviária, tão novo e inocente que ainda sabia sorrir. Ah, deixa pra lá.
Voltou para escrever as ultimas linhas. O dedo indicador da mão direita respondia mal. Parecia fome. Comia algo com leite. E tentou escrever. O dedo indicador se mantinha encolhido assim como o dedo médio se encolhia teimoso que só. Ao passo de mais dez minutos a mão inteira estava paralisada. E era um destro. E só. Ficava por ali sem terminar o romance. Era preciso, a partir dali, fazer nascer a mão esquerda, ou os pés, ou a boca. E fingir que nunca houvera mão direita. O pior, dizia o boêmio, não era não poder escrever. O pior era ter que, pra sempre, apertar sempre com a mão esqueda.