segunda-feira, novembro 28, 2011

Dorinha e o que ela vai ser quando crescer

- Dorinha, o que você vai ser quando crescer?
- Vou ser maior e bonita.
- Não, você vai trabalhar em quê?
- Pergunta certo, mãe.
- Perguntei já, menina.
- Tá! Quero ser Panicat!
- Tá doida? Porquê?
- Vou ser gostosa, aparecer na tv, no computador e vou namorar jogador de futebol rico e ser rica.
- Pode tirando isso da cabeça. Assim você me deixa em pânico, garota.

quinta-feira, novembro 24, 2011

Pinóquio ainda quer ser gente?

Os bonecos não tem mais inveja nenhuma dos humanos. Os robôs, em outros filmes, por alguma falha no sistema (quer coisa mais humana que uma falha?) passavam a querer ter desejo ou, melhor ainda, desejavam ter desejo. Desejavam poder ter o gosto de um tempero espanhol, ter preguiça de que acordar cedo amanhã de manhã, pular do farol, ter a emoção de um gol no final. Mas imagina agora se algum desses vai querer ser humano. É gente que mata, gente que muito mente, gente que muito rouba, gente com muito rancor, gente que nem é gente mas é muita gente. Aí o Pinóquio vai querer ter um coração para quê? A Fada Azul ficaria roxa de vergonha e nem perdoaria esse meu trocadilho desumano. Aqui estão um boneco de madeira, uma fada, um robô. Estes parecem ser seres mais interesantes que o que eles querem ser. Humanos? Gente? Pessoa assim como a gente vê? Mas os humanos, afinal, só devem estar querendo uma coisa: ser robôs. E nem isso eles podem ser. E Pinóquio, boneco de madeira que queria ser gente, hoje em dia provavelmente não teria a menor vontade.

quarta-feira, novembro 23, 2011

Dorinha e a Asma

Outro dia o Nélio, cachorro desastrado da casa, poodle dos mais pirracento que o casal já tivera, começou a se coçar. E latia estranho, um uivo arrastado. Dorinha toda preocupada com o animal da casa pulou na cama no domingo às seis da manhã e os interpelou:
- Pai! Mãe! É o Nelinho! Ele tá fanho. Sabe a minha asma? Passou pra ele. Ele ta coçando as pernas e tá todo mal.
O remédio a ser indicado, pensou o casal, era para a menina e não para o cão.

quinta-feira, novembro 17, 2011

Uma latinha de bom humor

Eu, capitalista de merda que sou, me meti a analisar as carências do mercado em busca de um negócio próprio. Quem aqui, ai e acolá não sonha em ser dono dos próprios horários, não quer ter que acatar ordens muitas vezes questionáveis de algum chefe burro, de ter autonomia para fazer o que bem quiser? Falta educação, sim. Faltam professores de algumas áreas; serviço de nutricionista a domicílio; venda em lojas de varejo de lixeiras temática separadas por tipo de lixo; coleta de lixo reciclável por bairros; intercâmbio educacional em escolas públicas; candidaturas a eleições escolhidas pelo povo ao invés de o povo só escolher um em um duvidoso pequeno leque de opções. São todas carências da sociedade. Peguem as idéias, amigos. Mas a principal das carências que encontrei nas minhas andanças pela terra do sempre foi a ausência de humor. O humor, senhores, um bicho quase extinto com a danada da graça. Piadas? Só as que fazem muitos rirem e alguém chorar. Falta humor. O bom humor, especialmente. Pensei, então, este ser um produto fadado ao sucesso mundial (sou pretensioso sim, senhor) uma latinha de 500 ml de bom humor, cheiroso, gostoso. Que tal?
Confesso ser um empreendedor medroso. Mas, tudo bem. Para alguns medo é impossibilidade completa, para outros combustível para uma caminhada mais cautelosa e corajosa. Fiz um projeto com planejamento, estudo aprofundado de mercado, concorrência, fatores influenciáveis interna e externamente. Enfim, tudo como manda o manual do bom empreendedor. Em fase final me deparei com uma questão interessante: quem são as pessoas mal humoradas? Em caso de não se pensar muito os mal humorados geralmente não possuem o famoso poder de compra. Em miúdos, não tem grana. Em outros miúdos, um produto com enorme potencial de venda como a latinha de bom humor, por lei de oferta e procura, teria um preço aburdo. Com isso quem compraria? Ricos.
Seria inacessível a quem realmente precisa. Quanto maior o poder de compra, maior a satifação. Vá entender. Descartei o produto. Ironicamente, neste caso, dinheiro traria felicidade.

terça-feira, novembro 15, 2011

Se o mundo dá voltas, sou translação

Talvez tenha sido um astrólogo o inventor do termo "o mundo dá voltas". Deve ter se baseado nos movimentos de rotação ou translação da Terra. Nem entraremos no mérito dessa coisa de chamar a Terra de mundo. Mundo, na minha humilde, é aquele "mundão de meu Deus", o que meus olhos encostam e minha cabeça ousa viajar. O movimento então do mundo é discutível.
Talvez tenha sido o piloto de corridas o inventor do termo "o mundo dá voltas". Ele que conta o tempo separados por voltas. Conta das mais rápidas, das mais difíceis e das chuvosas.
Talvez tenha sido um pessimista desastrado o inventor do termo "o mundo dá voltas". Desastrado que teima em achar que o mundo é um inimigo do tipo malandro; um moribundo esperto que tenta se dar bem em cima dos outros; um cara de pau que passa a perna em quem tiver de ser. O desastrado tentou mas diz que o mundo o deu uma volta.
As voltas são esses movimentos circulares; é a volta de 360 graus do skatista; o retorno da magia de uma trilogia; uma irmã depois de cinco anos longe de casa; a poesia depois de meses só de piada; o amor voltando pra onde não se acreditava em mais nada e de onde nem se esperava. O mundo dá voltas; também a tampinha da garrafa; a bola rolada; o corpo na areia molhada; o tornado caribenho; o pneu do avião em solo portenho; o passo de dança que eu nem tenho.
Talvez tenha sido um massagista ao dizer para o seu paciente que "o mundo dá voltas" depois de um exercício esfuziante. O que o passageiro, o jogador, o piloto, o astrólogo e seja lá mais quem seja deveriam dizer é que o mundo realmente dá voltas, mas são voltas por cima.
Se alguém dá voltas, sou o circuito inteiro. Se o mundo gira, sou o louco. Se o mundo vira as costas, sou o coitado do tatuador. Se haverá uma volta, serei a triunfal. Se o mundo dá voltas eu não sou simples rotação. Se o mundo dá voltas, sou a translação. E nada mais.
Movimento circular bom é o dos braços envolta de alguém. O mundo até dá voltas. Sonhei na última noite em dar voltas nele, uma viagem de volta ao mundo. Ou vou ficar fora de órbita, no pior sentido da expressão? O resto é questão de física, química, perspectiva ou sei lá mais o quê. E, no fim disso aqui, fui procurar sentido no que escreve. Esquece, as vezes pra quem nunca foi uma volta ao mundo não faz o menor sentido.

sábado, novembro 05, 2011

Papai, o que é o sexo?

Minha filha me perguntou assim mesmo sem cerimônia:
- Papai, o que é o sexo?
Me pegou desprevenido. Pensei em tantas respostas. Pedi um tempo. Pela noite do mesmo dia chamei-a e respondi.
- É o que diferencia você dos meninos. Você tem sexo feminino, eles tem sexo masculino.
- Mas é a torneira deles e a minha pia?
- Acho que sim. Mas não é pra lavar nem as mãos e nem nada nessa torneira. E finja que a pia esteja entupida e nunca use. Ta bom?
- Tá bom, papai.
Ela cresceu e tornou-se torneira mecânica masculinizada.

Minha filha de quatro anos me perguntou assim mesmo sem cerimônia:
- Papai, o que é o sexo?
Me pegou desprevenido. Pensei em tantas respostas. Não pedi tempo tempo nenhum. Fui logo respondendo.
- Sexo é relação sexual. É como eu fiz você com a sua mãe. Eu boto a minha semente nela, ela faz que nem o feijão no algodão molhado e você cresce dentro dela. Quando fica apertado você sai.
- Nossa, não dói? Não é ruim pra ela?
Com medo do cenário anterior eu fui sincero:
- É bom demais. A gente treina sempre.
E ela, com quinze anos, estava grávida e não sabia de quem. Aos dezessete já ganhava dinheiro como garota de programa.

Cuidado com os exageros. Estou brincando. A moral da história é que nenhuma das duas histórias não têm moral nenhuma.

O dia em que a Ilha de Vera Cruz trocou de nome

Vera era uma velha cozinheira de marca maior. A maior marca era a da perna adquirida em uma cavalgada em Santos. Ela não sabia que em Santos se pedala mais que se cavalga. Tudo bem. Entre outras marcas essa era a maior. Pois bem, certo dia errou na mão. O que era salgado ficou doce, o que era doce ficou amargo, o que era quente frio ficou. "Cruz credo!", bradavam os homens. E assim Vera era cruz. Assim Vera carregava essa cruz. Mesmo que tenha feito cinco milhões de ótimos quitutes o primeiro erro foi eterno. É assim no Brasil: se for errar, não abuse. Pelo menos é o que eu acho.
Aí trocaram o nome da terra por Terra de Santa Cruz - uma outra mulher, casta, um pastelzinho baiano sem pimenta com mania de salvar pescadores perdidos - e ficou tudo certo. Depois o nome passou para Brasil. Mas aí são outros quinhentos anos.

Mas num é um milagre?

Não é religioso mas é milagre. Dizem que até são milagres pipoca boa sem sal; campo organizado sem cal; subir a serra a noite sem farol; não haver mal. Dizem que até são milagres se formar sem estudar; o bêbado não subir em mesa de bar; no natal não ter opção pra comprar; não ter ninguém nem o que amar.
Milagre sou eu saber escrever; você saber ler - e entender; é ter alma pra vender e não querer; é ganhar e detestar perder e mesmo assim saber quando acontecer; milagre - aproveito a mesma palavra - é fazer e acontecer.
Assim lembro que milagre é a Ilha de Vera Cruz ter virado Brasil e ter os olhos do mundo voltado para ele; Milagre são as crianças terem direitos e alguém respeitar; é o Vasco ganhar alguma coisa e o Flamengo deixar; é pão quente com manteiga derretendo no sábado de manhã; é minha mãe não esquecer de nada; meu motorista não passar da velocidade permitida; meu Rio de Janeiro me dar o direito de ir e vir sem ter me proibir de passar da terceira marcha.
Milagre é aquele mar de Arraial do Cabo que nunca se sabe a profundidade já que o cristalino engana deliciosamente; é te ver e não te querer; é ouvir a cantora linda cantar e não gostar; é não sentir medo; é ser presidente sem ter um dedo.
Dizem que são milagres músicas como as do Ivan Lins, auroras como a Boreal, Cristo como o Redentor; cidades como as do sul; praias como as do nordeste; ter um sertão na paraíba cearense - se me permitem a confusão geográfica-; e medalhas de ouro e não cordões de prata ou estátuas de bronze;
Milagres você vê na Cinderela do interior das Alagoas fazendo de qualquer lugar a sua disneylandia; é o menino negro batendo bola na parede esverdeada no subúrbio do rio sendo chamado de Pelezinho, Robinho ou Neymarzinho; caloura fechando os olhos como se estivesse entrando em Harvard;
Mas sabem quais são os melhores milagres? Os corriqueiros, despercebidos, de verdade. Quando fulano aparece você diz que é milagre; quando a Dona Florinda diz para o Professor Girafales que "é um milagre você por aqui". Aconselho oferecer sempre um humilde presente porque pra ser milagre basta ser bom que o resto a gente ou esquenta ou emenda ou inventa.