No dia 11/11 participei da FLIPA em Paracambi. Realizei um vídeo para resumir um pouquinho do evento e trouxe duas boas entrevistas de lá. Assistam clicando a seguir: FLIPA E ENTREVISTAS.
Muito grato.
quinta-feira, novembro 16, 2017
terça-feira, novembro 14, 2017
O QUE DIRIAM OS DEUSES
Estava numa mesa com deuses, não sei de onde e nem como, e
me dei conta estar confessando que escrevia algumas crônicas, contos curtos e
até poemas como se eu fosse pai. Não pai das letras que manipulava, não essa
metáfora batida, mas de uma pessoa. Escrevia, e tentava até me comportar, como
se eu tivesse uma filha pequena, de uns cinco ou seis anos, no ápice das
dúvidas pueris perguntando de onde vem, pra que serve o beijo na boca, por que
grito quando tem gol do Santa Cruz, essas coisas. Mas eu não engravidei
ninguém, não. Pra quê isso, meu filho? Foi a pergunta de dois dos deuses
presentes.
Primeiramente, isso aqui é uma prestação de contas? Uma
espécie de juízo final? Porque eu não sei bem se deixei justificado que não fiz
por mal daquela vez que comprei iogurte na passarela do metrô da Pavuna. Olha,
me arrependi mesmo de não ter dado lugar para a senhora que entrou no ônibus
numa segunda-feira, seis da manhã. Veja bem, também não foi nada demais ter...
Pare. Não queremos ouvir mais nada. Quem pensa que somos? As
pessoas inventaram que somos justos, serenos e sábios. Que deuses é o significado para um ser humano evoluído e perfeito, mas
não. Somos apenas um outro tipo de coisa. Olha para ele – apontou a 80 graus –
ontem mesmo mentiu horrores.
Mas, então...então o que quer? O que estou fazendo aqui
contando sobre uma filha que não tenho? É errado ter esse desejo? É, por acaso,
errado escrever sobre isso? Quer saber? É ótimo só simular e não ter que
comprar o leite, se preocupar quando está febril, acordar no meio da madrugada
para ouvir do pesadelo, essas coisas. Ainda bem que não tenho.
Ei! Ei! Levei um, dois, três tapas na cara. Suspende o
álcool, bicho! Que porra é essa de deuses? Tava aí de olho fechado falando de
deuses, de juízo final, de filha. Tá doido, irmão? Pô, pai, tá vacilando aí?
Pai? Era um cara com barba já. Aos poucos fui voltando ao
mundo real. Nunca escrevi uma linha sequer, tenho três filhos já velhos de
guerra e não faço ideia de onde possa ficar essa tal de Pavuna. Também não
gosto sequer de literatura. Meu lance é música, no máximo, quando coloco lá no
escritório pra suportar os clientes e suas causas processuais absurdas. Não sei
o que me deu.
Era um churrasco na casa do meu cunhado e, pois, falavam
sobre pessoas que se assumem depois de velhas. Assumir seja pela orientação
sexual, seja por realização profissional, por essência, por gosto gastronômico.
O Erico mesmo confidenciou que detesta o escondidinho de carne, que acha um
prato feio e sem gosto, e que quando a mulher faz ele sempre se vê obrigado a
elogiar. E como a dissimulação às vezes sai tão forçada parece que a esposa
comprou a ideia de que Erico não só gosta do prato como o elegeu seu preferido.
Meu cunhado também falou que, cá entre nós, não aguento mais dar uma de moderno
e sair compartilhando notícias e relatos de injustiças sociais contra minorias.
Não aguento mais, ele disse. Olhei ao redor e nada de algum dos deuses. O que
eles diriam? O que diriam os deuses? Um sujeito que nunca vi na vida chegou
perto de mim e soltou a sentença mais potente daquela noite: você é o que você quis ser? Não deu
tempo de perguntar se o prazo para querer já havia vencido.
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