terça-feira, agosto 23, 2011

O Tal

Sempre quis conhecer esse Fulano. Esse tal de Fulano de Tal. Sobrenome esquisito. Minha mãe tem esquisitices, eu sabia. Ela não inventaria um homem invisível. Isso é coisa de cinema. E ela nem frequenta muito. Como não é um filme a nossa vida, quando ela se separou do meu pai, eu fiquei triste. Chorei escondido pra caramba. E ainda choro. Faz um ano que eles mal se falam. É mãe pra lá, pai pra cá. Um não presta pra cá, outro não presta nada pra lá. Tá todo mundo certo e todo mundo errado? Meu pai diz que minha mãe tem outro. Ela não diz nada do meu pai. Mas não sei não. Vi na TV que um rapaz lá era O Tal. Bonitão, musculoso. O Tal, então, existe. Só não sabia se era o Fulano. Comecei a ter uma raiva estranha desse cara. Achei que era culpa do Fulano de Tal a separação dos meus pais. Só que outro dia ouvi minha mãe comentando sobre uma Fulana. Não deu pra ouvir se era De Tal. Que familiazinha essa pra estragar a minha. Comecei a prestar mais atenção. Meu pai nunca havia comentado nada sobre Fulana. Acho que já ouvi outras pessoas falando no nome dela. Não sei muito bem. Dizem que eu tenho problema de audição porque pra tudo eu falo "O quê?" mesmo se eu tenha escudado e entendido.
Quando eu estava quase resolvido sobre essa separação, sobre a culpa do Fulano e tentando saber da Fulana me veio mais perguntas. Minha mãe grita no telefone: "Eu mato Fulana, Beltrana, Ciclana. Porque é toda hora Fulana de Tal pra lá, Beltrana de Tal...". Aí eu resolvi voltar a ver meus desenhos porque ainda sou criança e essa vida de adulto tem muito nome esquisito.

segunda-feira, agosto 22, 2011

Me chama disso tudo

Ah, sua doida. Me chama de burro, de bobo, de babaca e de babão. Me chama de pentelho, de petisco, de palhaço e de pavão. De chefe, de canalha, de barrigudo e de bundão.
Pode até falar, pode até zuar. E me espichar, tudo sem razão. Pode me chamar de ator, um mal cantor, o bebedor, bem sem graça, sem asa ou aviador. De poeta de bar, carioca sem o esse, pronto pro abate, cara de mamão.
Me chama de samba deprimente, sem um cavaquinho. Chama de piranha, diz que arranha, que eu sou. Chama de papel na mão, nego sem tostão, anjo pervertido com cara de ladrão. Me chama de manhoso, de esnobe, de gostoso, de cheiroso, de branquelo e de pobretão.
Me chama disso tudo e eu...sou. Eu sou, então.

quinta-feira, agosto 11, 2011

Lava e passa

A idéia é que você não seja apenas doméstica, ou domesticado, ou domesticador. Em tempos de patrulheiros da ética é melhor afirmar que não há preconceito com qualquer uma das profissões acima. Só que a idéia não é brincar de cão e dono, nem de buscar a bolinha. A idéia é algo mais, é redonda, é apetitosa, é cardápio em motel para podólogos. A idéia é que se lave e passe. Que se leve e passe. Que se passe e se leve. Que seja leve e passado. Que seja presente e nem tão pesado. Que seja diet, passe e fique. Que fique, passe e amarrote. Que a vida esteja em qualquer cantinho disso ai. A idéia é cuidar. E, cuidado, você leva, e leva o que a vida peça. Cuidado, você lava e a vida passa.