quinta-feira, março 25, 2010

Nos tempos

Nos tempos da vovózinha, além das ciroulas beges e do telegrama, as histórias de amor duravam mais que noventa minutos. Talvez porque não havia a chance de poder escolher o melhor produto na prateleira recheada de homens e mulheres. Ou porque o cupido era mais generoso e paciente. O mundo era menor. A expectativa de vida biológica era menor. Mas a vida vivida era infinitamente maior.
No meu tempo, da webcam e do tênis com amortecedor, o excesso de opções atrapalha na hora da decisão. Demoramos a escolher e, com tanta dúvida, estamos correndo risco de escolher mal. Ou é porque o cupido está ocupado demais navegando na internet, tirando fotos dos melhores momentos para pôr no orkut. O mundo é grande pra caramba e está cada vez mais estreito. Morremos mais tarde e vivemos tão pouco. Hoje as histórias de amor duram um pouco mais que dez minutos. De repente alguma história de amor começou e terminou antes que você terminasse de ler isto.

sexta-feira, março 19, 2010

Não sei se espero ou se corro

Não sei se espero ou se corro. É como tentar advinhar se meu trem que não usa trilhos vai passar por aqui ou por lá. É como querer tirar fotografia de um raio esporádico no meio de uma tempestade. Não sei por onde ir no meio desse nevoeiro momesco. E é um nevoeiro quente. Traz uma gota de suor saindo do pescoço, caindo por entre os peitos. Aquece o pulmão. Causa tosse esbaforida. Não sei se se espero ou se corro. Se bato ou mordo. Se é boné ou gorro. Se é telegrama ou twitter. Se é batom ou glitter.
Não sei se fico mais um pouquinho ou se começo a dieta de você. É como tentar chutar uma mosca dentro de um quarto escuro. É como querer supor alguma coisa sobre o próximo samba. Não sei se como ou se bebo. Se é intervalo ou recreio. Se é a marcha engrenada ou o freio. Se é o leme ou um pombo correio.
Não sei se é direito ou de esquerda. Se você sorriu pra mim ou para o rapaz ao meu lado. Se diz não querendo dizer sim. Se diz tchau querendo dizer vem. Ou se realmente eu devo correr, deitar em outra cama, fazer conchinha com uma pessoa menor ou maior, beliscar o bico do seio de uma menina que nem sabe a que veio. Se é isso, pois bem, eu corro.
Mas se for para ficar, eu morro. Morro de amor por você. E como eu amo!

segunda-feira, março 15, 2010

Ao sair do quarto

Virei pro lado e traguei o que seria o último perfume saboroso da pequena. Levantou com aquele vestido dos céus, uma divindade da beleza, uma roupa de dormir sensualmente elegante com corações vermelhos e predominância branca. O tal vestido começava com duas finas alças, abraçava um decote que tentava sem sucesso algum ser singelo e percorria até a metade das coxas num tecido liso, escorregadio, excitante. Ela esteve numa das melhores noites. E nunca esteve tão distante. Por isso a noite foi distinta. Os homens olham e sentem muito o corpo e um pouco a alma. As mulheres sentem um pouco mais a alma que o corpo. Ambos sentem. Eu senti um branco absurdo nos olhos dela. Pelo que me recordo passava alguma coisa na TV que eu nem sei, uma briga de ogros divergentes sobre futebol no bar lá debaixo, uns uivos do Cazé, meu papagaio de tufos amarelos, e uns arrastões de móveis no apartamento do vizinho de cima. E ela tocou o celular, interfone, capainha, meus peitos, meu dito cujo, minhas coxas, minha língua, minhas covas da virilha, minha cama, e, por fim, tocou com o lado de fora da mão a maça do meu rosto.
Conheci muitas coisas que disseram um bom oi. Aquele sorriso diferente no meio de um monte de gente. A primeira vez que a amiga mais descarada ficou ruborizada de vergonha. Quando me pediram telefone, quando ofereceram o ombro, quando ofereceram uma noite longe, quando simplesmente optaram pelo fio vermelho. Tem certos momentos que descobrimos como boas entradas em nossas vidas. E existem momentos de despedidas tão singelos quanto. Uma quantidade de chamadas não atendidas no telefone, um não convite para um evento especial, o sumiço em si ou a indiferença entre o bom dia e o boa tarde. O branco vazio esfumaçado dos olhos dela ao sair arrumada do banheiro, cançando as sandálias verde-ouro, e, assim mesmo sem qualquer espécie de adeus, sair escorregadia pela porta marrom, envernizada e eterna da saudade. Saudade da minha alma, do meu coração. Pois, lhes digo, ao sair apague a luz, feche a porta e diga tchau porque, pra quem fica, há sempre uma esperança de que ninguém se foi de vez.

segunda-feira, março 08, 2010

Apenas um oito de março

Não me venha dizer que vai comemorar com aquela música do Neguinho da Beija-Flor que é só mulher e mulher e mulher. Mulher é mais. E menos, também. É rascunho definitivo; é peito, despeito, respeito, silicone natural, câncer de mama; é madura quando verde, imatura de rosa, antes dos dez anos; é pai, guerreira e soldado; é muito mais macho que muito homem; é capaz de matar por amor e, ao final disso, se preocupar com a unha e o cabelo.
E só por um dia que nos vimos diante disso. De uma espécie não exatamente evoluída, mas diferente. É completamente alheia a tudo que há no universo. Por isso nós, homens, mulheres, meninos, meninas e outros, nos apaixonamos perdidamente pela mãe, pela professora, pela pediatra, pela apresentadora de TV, pela prima, pela vizinha, pela melhor amiga, pela mãe da melhor amiga, por uma mão lisinha, por sua cunhada, por sua filha, pela melhor amiga da sua filha, pela mulher que te atende, pela mulher que não te entende.
Tem mulher de mentira. E tem homem que gosta disso. Tem homem que quer ser desse outro planeta também e, de alguma forma estranha, se torna uma. Tem homem que só por hora se torna uma. Só por uma noite, por um carnaval. Mas mulher não se imita, não se copia. Mas o bom mesmo é a mulher de verdade. Aquele cheiro de pele que nenhum perfume consegue igualar. Aquelas curvas que até a mulher mais reta possui. Aquele poder que tem no ventre e ninguém mais tem.
É a mulher que discute sozinha; que muda os rumos de uma guerra; que vence sempre a guerra dos sexos; que derruba imperadores; que inspira poemas, romances, músicas e tem criado um dia só pra ela. Só não concordo que seja em apenas um oito de março...

quinta-feira, março 04, 2010

Ciúmes de Júlia

O ciúme é um dos sentimentos mais mortais do universo. É uma síndrome passiva que nos é avassaladora em certo momento da vida. Bebemos do vírus do ciúme assim que comemos da fruta do amor. É como um alimento cítrico que traz o bom do conteúdo e o caldinho discreto e amargo. Provamos do bom do amor ingerindo também o hospedeiro ciúmis doentius. Nas palavras de um pensador caquético quem ama sente ciúmes. O biólogo cruzou a esquina berrando que o ciúme para o amor é como aquele cardume de peixinhos seguindo a baleia jubarte, se alimentando dos restos do que o mamífero maior come. O médico chama de mal de amor, como os de Parkinson. O sociólogo chama de mazela. Que seja. Não chamo de nada. Não o convido para ficar tão perto. Porque ciúme é uma faca afiada demais, um revolver ultrajante e fatal. É a síncope sintética de um metal indestrutível. É meu veneno, minha água. É onde eu e você bebemos como termômetro para se saber se há amor.
Júlia, uma mulher rodriguiana. Nelson diria que ela era de parar o trânsito, fechar a rua sem prazo de abertura. Claro, seios fartos, postura altiva, criatura dos infernos mais prazerosos da libido masculina e, até, feminina. Casada, de certo. Decotada, de errado. Provocava incovenientemente os maiores sonhos até nos amigos. Também pudera. Além de tudo possuía um quê de criança pedindo colo, uma voz sussurrante, um alvoroço no olhar amêndoa que, obviamente, ela mesma sabia ser capaz de tudo. E conseguia emprego, facilidades, passar a frente em filas e até descontos voluptuosos. E, como se não bastasse, dizia não saber entender quando um homem possuía segundas intenções e se algum convite era mais que um simples convite. Essa era Júlia. Que homem suportaria tamanha sensação de insinuante desconfiança? E na cama, como todas as mulheres, convencia tanto no orgasmo que até disso o pobre marido desconfiava. Felicidade e esmola demais o santo, mesmo que seja do pau bem oco, desconfia. Começou a ver mensagens no celular, a ligar para o trabalho dela, a andar pelos cantos. E via coisas suspeitas mesmo. Um amigo mais presente. Um carinho mais forte e qualquer palavra além de bom dia seria crime. E foi.
O marido, como os maridos de Nelson, resolveu tratar uma rodriguiana da forma que merece. Tratou de despi-la no meio da rua, na frente do bar, leu cada mensagem do celular e o e-mail tosco de um admirador. Não esperou que fosse inverdade. Era verdade para ele mesmo que fosse mentira. Após a leitura, sem sabatinar a mulher, abandonou a praça, a rua, o público e a mulher nua e talvez adúltera. Nunca se soube, como nos orgamos múltiplos o que é falsidade e o que é verdade, se ela realmente o traiu. Como a primeira frase diz, o ciúme é um dos sentimentos mais mortais do universo, meu caro. Saiba degustá-lo.