quinta-feira, maio 24, 2012
"Apaga e tira outra!"
Na revolução da captação de imagens o surgimento das máquinas digitais enterrando a necessidade de revelação de filmes tornou a foto uma coisa irrelevante. Que frase bonita! Desculpe, amigo que sabe ler, é mania de jornalista. Digo que em eventos, finos ou não, velhos e novos tornam-se cada vez mais adeptos ao estilo descartável das fotos. A foto ficou ruim? Apaga essa e tira outra. Simples assim.
Sem devaneios filosóficos. Sem pena da imagem evaporada. O maior problema dessa cultura decaptadora é a sua fuga das imagens. Talvez não seja insenssibilidade. Nem seja também narcisismo. Apesar de fotos e narcisos estarem eternamente casados. O problema é a facilidade. Se tirar foto já foi mais elaborado e valorizado agora, tá mais fácil que música ruim fazendo sucesso. Eis que somos agora capazes de provar um café e aplicar a mesma teoria. Joga fora e tenta outro. Ao comprar um aparelho de DVD e deparar-se com um aparelho de Blu-Ray: descarta e compra o novo. Ao ser ter o celular levado em um assalto - após compreensível acesso de raiva -, apaga e compra outro. Com carros, jogos, empregos e amores todos apagam e arrumam outro. Está tudo muito fácil. Paradoxalmente, não tá fácil pra ninguém.
quinta-feira, maio 17, 2012
Atropelamento
Lia o livro mais recente de um velho amigo. Era bom. Não o meu amigo, que
não vem ao caso, mas o livro. Era bom, fazia grudarem os olhos. Era ruim ler e
esquecer do que estava do lado de fora. Esse ruim acontecia toda hora. Olhe que
nem sou dos mais dispersos. Passava do ponto de ônibus. A carne ao fogo passava
do ponto. Levei pontos no queixo depois de cair por ler e andar por calçadas ao
mesmo tempo. Não via o tempo onde quer que fosse. Nem que fosse cegueta. Lia ao
volante dessa vez. Era a Dutra, altura do Carrefour de Belford Roxo.
Desculpem-me os leitores preocupados com a propaganda. Não ligo. Ninguém
comprará sabonete no mercado por conta dessa leitura. Compraria por estar em
promoção. E não vale a pena. Dutra nesta altura, sentido Rio de Janeiro, para
quem conhece, nem vale a pena passar. Muito menos às sete e onze da manhã de
quinta-feira. Dia nublado, buzinas agitadinhas demais. Sinfonia educada de todo
dia. Baixei o livro e o vidro. Pessoas mandando umas e outras para um lugar com
endereço completo, no meio de alguma coisa. Vidro levantado, ar-condicionado
regulado. Livro no volante.
Atropelei, fui multado, julgado e condenado. Calma lá. Explico. Depois de
uma hora e trinta metros percorridos resolvi entrar em uma das ruas pra fugir.
Na segunda esquina já parava congestionado em um sinal vermelho demorado. Peguei
o livro novamente. Mania de pisar na embreagem e deixar engatada a primeira
marcha. Sinal verde brilhou, pé ficou mais leve inconscientemente. Amigo leitor,
esqueça os detalhes. Dei partida e atropelei alguém. Fiz tudo certinho. Era uma
mulher. Uma praga foi jogada. Fui condenado a correr atrás da vítima. Sou o
sujeito mais estranho que atropelou uma mulher e com ela ali deitada e dolorida
senti tesão enorme. Uma perversão quase criminosa. Atropelamento é crime.
Erotismo em hora errada é prisão perpétua? Confere a legislação porque eu me
fudi em pontos na carteira, notas a menos no bolso e culpa dupla. A perversão,
sensação maior, era quase dolosa. Era culposa. Afinal, aposto meus dentes que
ela também sentiria alguma coisa também. Estava já caída por mim. Estava já nos
meus pés.
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