terça-feira, dezembro 23, 2008

Causos do Atlantico Norte - Segundo

Tudo aqui parece meio plastificado. Nao riam da minha inocencia. Nao riam de mim. Pensei duas vezes antes ate de pensar. E a duvida estava entre fingir que tudo esta absolutamente normal ou me despir de tudo e deixar impressionar com o devido limite. Deixei.
Fomos fazer compras. Pequenas compras para a casa. Comidinhas, eu diria. Achamos o terminal rodoviario, corremos ao balcao onde nos informaram qual onibus tomar e onde chegar para ir no tal do WallMart. Fomos no tal do mercado sob um frio terrivel. Ao sair do mercado tomamos o primeiro onibus. Fomos parar num shopping enorme e distante.
Procuramos logo por um local onde vendia celular para que pudessemos conseguir emprego. Contamos a nossa historia triste para a vendedora, colombiana. Esta nos deu de presente um chip.
Voltamos para o ponto. Tomamos o onibus para o terminal. Chegamos apos o ultimo onibus. E nem sabiamos onde estavamos para cogitar ir andando. Um fiscal gostou dos brasileirinhos. Pediu para que um motorista nos levasse ate a casa. Fretamos um onibus no primeiro dia. Nada mal.

sexta-feira, dezembro 19, 2008

Causos do Atlantico Norte - Primeiro

Esperando em uma das inumeras avenidas que cortam a cidade de Fort Lauderdale, Estados Unidos. Em uns segundos chega um dos onibus loucos. Vamos ou nao vamos? Parou no sinal mesmo. Corri ate a porta e o motorista fez sinal de negativo. Ate que uma mulher no ponto de onibus grita:
- It's BREEZE!
E eu respondo:
- Ahhhh o BREEZE, po. Sabia.

O que seria esse tal de onibus BREEZE?

segunda-feira, novembro 24, 2008

Cena I

Tirara a mão esquerda de cima da mesa e a pusera no próprio colo. Enquanto a mão direita atravessava suavemente a face, da maçã do rosto à nuca, enfileirando os fios de cabelo atrás da orelha os olhos me buscavam para que eu respondesse à pior indagação da minha vida.
- Não, não te traí.
A cabeça começou a recair-se sobre as duas mãos, escondendo os olhos. Os cabelos já teimavam novamente em escapar do abrigo que lhes foi imposto. Lágrimas esconrriam.
- Mas eu tenho certeza que sim.
Não saberia descrever o que se passava comigo. Tremiam-me as mãos. Havia um princípio de mancha em cima da tábua da mesa, arredondada gotícula. Sentia já o salgado em meus lábios. Tudo que caía era céu e o que subia, no chão estava.

Chovia o bastante para gripar a alma e encharcar a roupa. Pisei com o pé direito no tapete simbólico da varanda. Meu celular tocou. Na verdade, vibrou. Só que vibrava com tanta intensidade que mais parecia um toque. Ouvia-se a metros. Era ela mesma. Cometi a falha de atendê-la e dizer que já estava na porta. Ouvi ruídos diversos como se houvesse uma faxina repentina em minha casa. Isso às 16:00 horas. Abri a porta da sala. Por segundos nada falei.
- O que faziam?
- Conversávamos.
Não gostei da presença dele naquela tarde. A disconfiança tomou-me a sanidade de assalto. Em dez minutos se dispusera a despedir-se de nós. Após a partida dele ficou no ar aquele cinismo. Ela havia dito que sobrou pipoca. E eu apenas certifiquei-me da racionalidade da coisa.

Sentei-me à frente da tv exausto e com o peso do universo em minhas costas. Sentia-ma profundamente gratificado e limpo. As notícias eram as de sempre. Uma delas ressoou instantênea: "Jovem de 24 anos encontrado morto em sua própria casa na tarde desta terça. Overdose de anti-depressivos." E outra: "Encontrado corpo de mulher de 20 anos após ataque fulminante do coração." Até que ela aparece linda e cínica com a silhueta na frente da tv. Demorei a levantar os olhos. Admirava cada segundo daquilo tudo. Esperava pelo pior, pelo melhor, por nada. Subia pelas canelas, coxas, cintura. Suas mãos repousavam sob a barriga. O ventre estava por ali. Subi rapidamente minha visão para os seus olhos. Lacrimejavam. Olhava afetuosamente para mim e logo em seguida esfregava carinhosamente a barriga.
- Obrigado.

domingo, novembro 16, 2008

Corre que é crise

Lhe confio a asneira toda então. É mais ou menos assim. Eu vendo a minha bicicleta para você em parcelas, o tal do financiamento. E já contando com esse pagamento correto eu começo a pagar o financiamento da minha moto de um outro cara. O outro cara vendendo a moto já conta com esse dinheiro que ainda nao existe para comprar o carro que tanto deseja. E se um deles não pagar? Efeito dominó, meu caro. E quem financiou a sua dívida? A mamãe. Agora imagine isto tudo em escala global? Pronto, você acabou de entender a crise financeira que assola o mundo, a tal crise imobiliária, ou crise do crédito ou o que você quiser chamar.

quinta-feira, novembro 13, 2008

Três mulheres

Sob o nome, sobre nomes, sobre o nome, meu sobrenome.

Clara evidente, clara e vidente, clarividente que é ela.

Saia, saia já. Tuas pernas, linda saia.

Lua Ana, Lua e Ana, é Luana.

A outra é a Lua.

sexta-feira, novembro 07, 2008

Mais uma mazelinha de leve

A previsão meterologica era de chuva torrencial para o início da tarde. Fazia, vejam só, um sol carioquíssimo. Tão carioca quanto o que me ocorreu ao descer do ônibus. Todo mundo decidiu olhar-me. Vestia rosa? Descabelado o cabelo estava? Sujismundo eu era? Nem sei. Não tem cura para mazelas gostosas. O perguntar cotidiano era uma das mazelas urbanas. Velha simpática, gordo assanhado, turista desinformado, adolescente burro. Todo mundo queria perguntar algo. Uma abordagem diferente foi a malvada da carne. Pela esquina terceira, se não me engano, na entrada do Dona Marta bronquei comigo mesmo. O assaltante chegou todo prosa, pegou uma titica estranha da cintura e pediu para que eu passasse minhas coisas valiosas. Ofereci o celular. Não era tão mal assim. Digo do celular, claro. Vai ver se o bandido era ou não mal? Até provar que raposa não é poddle, a bolinha da sorte já girou três vezes pro lado errado. E, voltando ao celular. Ele não quis. Queria algo realmente valioso, queria outro, queria isso não. Queria aquilo, e aquilo outro e aquilo mais. Não único, não contente. O bandido mais inteligente. Queria minhas idéias, meu raciocínio, minha mente. Queria pensamento, e daí em diante não mais pensei que nem gente. Ah, e no final, choveu. E muito.

segunda-feira, novembro 03, 2008

Tem

Tem sintonia mas não aparece no rádio
Tem emoções mas não se ouve na Tv e nem na música do Roberto Carlos
Tem sorrisos e nem é dentista
Tem os maiores olhos e nem assim é tão fácil de se ver.

Tem fanatismo mas não é clube
Tem seus loucos fãs e não é artista pop
Tem seus seguidores mas não é crença
Tem muita gente mas não é legião.

Tem tu mas não é tua mãe
Tem tua mãe e nem é teu pai (ou padastro)
Tem um deles e nem é dinheiro
Tem dinheiro e não é rico.

Tem viajado e não é avião
Tem estudado e não sou eu
Tem saia e nem entrou, nem rodou.
Tá fresquinho, fresquinho mas não é pão.

Tem músculos e não é azarão
E se tiver pulmão? Corre de montão.
Nem tem sapato, nem tem pé.
Tem calcanhar de mulher.

Tá em boas horas mas não em todas.
Mas se realmente saber quiser
Pegue a sopa de letrinhas
E meta a colher.

quarta-feira, outubro 29, 2008

sábado, outubro 25, 2008

Seria uma honra

Quisera eu ter a chance que tú, mais carioca que eu, tem nas mãos. Quem me dera. No máximo, me é permitido fazer da água do mar algo tão meu quanto seu. Só não me permitiram a grandiosa chance de fazer o que espero que façam amanhã. Quem me dera ter a honra de votar no Gabeira.
Porque Fernando sempre foi um dos poucos políticos que admirei. Culto e esperto soube utilizar dos instrumentos que tinha sem querer fazer propaganda com isso. O maior acerto foi ter revertido a falta de verba em algo posivito. A transperência das contas prestadas incomodou os outros candidatos. E a proposta de não sujar a cidade é, claro, primeiramente de uma intenção honrosa e exemplar e, depois disso, uma boa jogada visto que papéis e santinhos nada mais são que gastos e mais gastos.
Eu confio no Gabeira. Pela postura e pela coerência. Quisera eu ter essa chance. Seria a primeira vez na vida que eu votaria com orgulho em um candidato.

segunda-feira, outubro 20, 2008

Os oito olhos

Não é para dizer que quebraram-me os óculos que cheguei aqui. É para dizer que apesar dos óculos quebrados eu cheguei aqui.
Só tinha percepção das coisas quando estas permaneciam a três metros de distância. Se mais, era uma coisa qualquer nada nítida, fosca, desfigurada, irreconhecível.
Não vim até aqui reclamar da solidão do caminho, dos tropeços no meio-fio e da falta de auxílio alheio. Vim para dizer que apesar de tudo isso nos tropeços eu levantei, cheguei e não mais solitário estou. Estou com você.
Só não percebi que havia mais gente. A resposta foi contundente. Por ela eu ouvi coisas. Dos lados haviam cândidas açucenas espalhadas entre gramíneos vivos gramíneos mortos provavelmente pelo pisoteio desses pródigos ninguém.
Não vim até aqui, disse uma voz grave e aguda ao mesmo tempo, para dizer que não vejo as cores. Vim, continuou a voz, dizer que apesar de não saber que sequer existem cores eu cheguei aqui.
Só enxergava preto e branco. Eu, três metros de alcance. Ela, via a todos, linda de morrer. Somamos dois observadores sôfregos e uma tênue bárbara.
Não vim até aqui, uma última voz refinada e tranquila, para dizer algo dos meus olhos. Nem gosto muito de falar. Só que vocês vieram e falaram muito.
Só percebíamos o tom de Jorge Ben no que versava e a boemia no que exalava. Apesar de tudo, era alegre e vivaz. Continuou.
Só que devia lhes alertar para o "apesar", finalizou o homem último.
Perguntei-lhe o que diabos fazia por aqui no que ele deu de ombros:
- Nunca precisei usar óculos e não reclamo por isso. Não sei o que são cores e não reclamo por isso. Não sei o que para que servem os olhos e não reclamo por isso.
Era um homem de olhos belamente azuis.

sábado, outubro 04, 2008

Namorada da infância - Fim

Eu estava desinspirado. Preferia não contar mais dessa história. Meu tio solteiro, velho e estranho dizia que a melhor relação era aquela que não existia. Sempre esquecia de dizer que tio e sobrinho também era uma relação mas tinha medo dele falar que nossa relação era uma das piores para ele. Este tio certa vez nos viu juntos. Nos viu em um beijo extenso. Não era discreto. Fez barulho. Deu um sorriso e foi embora. Clarisse ficou com medo que ele contasse. Porquê esconder? Eu dizia. Porquê mostrar? Dizia ela. Era despedida. A pequena me deu uma carta e um vidrinho de perfume pelo final como lembranças.
- Tenho que ir.
Ela dizia que tinha que cuidar da filha. Entendia. Pediu para que eu fosse junto. Devia ser por educação. Nessas horas não se aceita. Mas eu fui mal educado. Aceitei.
- Desculpa, mas você não fala da sua viuvez.
- Vai ver é porque eu posso ter matado meu marido e não querer que você se assuste.
Cínica. Interessante como via traços da menina em uma mulher desconhecida. Ou era estranho como conhecia uma mulher que tinha em si uma menina que sempre fez parte da minha vida. A casa era apertada e bem arrumada. Era suburbana e das mais ricas que conheci. Tinha detalhes e era lisa ao mesmo tempo.
Era aniversário do Trum, o filho da Dona Tânia lá da rua. Trum era apelido de um menino magrelo e mais alto e que eu nunca soube o nome. Alto demais para quem tinha treze anos. Crespo. Tímido. Muito tímido. Mas teve festa. A casa do Trum era no terceiro andar de um prédio de três andares e uma coberturazinha. Era na cobertura. Uma espécie de salão, um play. Até que na hora do parabêns eu não a vi. Procurei passando os olhos pelas janelas, portas e cantos. Sem sucesso. Varanda, porque não? Porque ela não seria capaz. Foi. Olhos amendoados, cílios grossos e olhar cínico. Cheguei na varanda e ela cruzou meu caminho. Voltou para o salão, bela, esbelta e canalha. Deu tempo de lançar a ironia no fundo dos meus olhos. Na varanda o Rodrigo sorria. Apenas sorria para o nada. Não me viu entrar. Não me viu estar. Não me viu sair.
Essa mulher tinha traços de Clarissinha. A gargalhada. Tomamos uma dose de caipirinha com menos limão que o necessário. Depois de algumas as coisas perdem um pouco o sentido. Ou eu passo a sentir mais que o habitual. A lua sorria. Você, caro leitor, sabe bem que tem certas luas que sorriem, certas luas que gritam e certas luas que são como certos amores antigos que estão ali mas não estão.
Naquela noite vimos a lua. Acho que pegamos no sono. Duas crianças que abusaram na dose de inocência e ousadia. Crianças das pernas pequenas, braços pequenos, bocas, pés, dedos, tudo pequeno e mente tão grande. Adultos das pernas grandes, braços e tudo grande e mente pequena. Achei o meio termo.
Naquela noite abusamos na dose de caipirinha. Dois adultos infantis, nostalgicos, ridículos.Peguei a chave. Saí. Tranquei a porta. Taquei a chave por debaixo da porta. Enquanto esperava o elevador, depois apertava a tecla P e saía do prédio eu começava a raciocinar. Tecla P. Pena. Porção. Passado. Partida. Nada volta. Tem coisa que tem que permanecer. A viúva não é a Clarissinha. Nunca será. Peguei meu celular de volta, anotei o número num pedacinho de papel e deixei em cima da mesa da sala. Quem sabe Clarissa, hoje? Ou não. O ontem não volta. Nem quando se tem treze anos rabiscando portão com iniciais, fugindo inconsequentemente para a praia, em festinha de amiguinhos ou arremessando celulares em bolsas alheias. Sejamos razoáveis e anormais. Era a minha versão Capitu e eu não sei se queria ser Bentinho.
A Capitu apareceu e me esfacelou como eu previa. Mas eu sobrevivi.

quarta-feira, setembro 17, 2008

Namorada da infância - Parte II

Um blefe. Ela aplicou um blefe. E eu compadeci no blefe de um apaixonado. Atendeu falando que demorei a ligar e que não me atendera antes porque não tinha visto. Sorriu no final da primeira frase. Conheço-te Clarisse. Viu e viu muito bem. Não atendeu para pôr adrenalina na coisa.
- Quanto tempo, Baldinho.
Sabia que era eu antes mesmo de ouvir algo. Não falei nada. Confessou ter me reconhecido assim que parei perto dela dentro do metrô.
- E porquê não falou comigo?
- E porquê o senhor não falou comigo?
Preto no branco? É, menina. Uma vez ficamos sem nos falar por uma semana. Uma eternidade. Só porque não dei nada de Dia dos Namorados a ela pela manhã. Nem quisera ouvir o que eu tinha para falar. Só disse que era pra ter a acordado como um marido apaixonado. Presente de tarde ela não queria. Não fala mais comigo porque agora é preto no branco, setenciou a pequena Clarisse. Até hoje não sei o que é o preto e o branco dela. Isso é isso, deve ser. O fato é que nem nas missas de domingo a pequena falava comigo. Disfarçava, não me via. Uma eterna semana. Depois me pediu uma flor e uma bitoca. Tudo certo. Me fez pedir desculpas. As dei.
- Não falei contigo porque fiquei com receio de não me reconhecer.
- Você tem as mesmas covinhas na bochecha. Tá uma criança grande. Nada irreconhecível, Baldinho.
- Para com isso de Baldinho, por favor.
Ela gargalhava da mesma forma. Com a mesma bravura doce da uma menina única. Falamos da viuvez dela, da filha de três anos, das viagens, da faculdade dela, da minha, da história do rabisco no portal do Seu Manel, da minha pieguice, das brincadeiras dela e da minha separação recente. Marcamos um encontro para depois da aula dela, às seis no Forte de Copacabana. É que ela trabalha em um Hotel ali na orla.
Uma vez a pequenina queria porque queria ir à praia. Mas queria que fôssemos sozinhos. Queria que eu, com treze anos, a levasse. Sabe que de Marechal Hermes até lá tem muito espaço pra se percorrer. Pegamos o trem sabe-se lá como. Uma vez no mar deixamos as coisas na areia. Um cara levou nossa sacola com uns trocados e sandalias. Não me lembro como voltamos. Sei que foi no dia seguinte, famintos e sujismundos.
Encontramo-nos pontualmente com meia hora de atraso. Paramos em um restaurante por ali mesmo. Conversamos tudo. O que era nada.
- Sabia que nos reencontraríamos.
- Porquê?
- Para irmos à praia novamente sem ter como voltar, sem planos, só por espontânea vontade.
- Está logo ali em frente. Eu topo se falarmos apenas de coisas boas.
- Fechado. Preto no branco.
Deitamo-nos lado e lado com o som das pequenas ondas na areia com os olhos voltamos para o céu. Clarissinha e Ubaldinho. Não tínhamos como voltar mesmo. Anoiteceu e a praia virou um deserto. Somente nós dois. Duas crianças. Ela se virou pra mim e pediu um beijo demorado. Abriu minha boca com a sua língua e a mexeu dentro da minha boca. Uma sensação de nojo e prazer ao mesmo tempo. Vai ver que foi por isso que não sei como cheguei em casa.
- Lembra dessa praia?
- Se você, agora Ubaldo, está se referindo àquela noite quando éramos crianças te digo que está enganado. Era Ipanema. Mas eu lembro.
Praia pra mim era tudo igual. Areia e mar. Era noite.

domingo, setembro 14, 2008

Namorada da infância

Uma hora da tarde. O exato instante que a manhã escondeu as caras e a tarde assume o
controle do dia. E foi por aí que havia fechado o livro. Não guardei a página mas foi à
altura das artimanhas da Capitu pra cima de Bentinho, ainda novos. Quero uma manhosa, uma
artista, quero uma cheia de artimanhas. Quero que saiba exatamente a manha de ser e não
apenas de estar. Ser ou estar é que nem o muito bom pra agora ou bom para quase sempre. Você aí do outro lado me entende? Quero uma Capitu para me apaixonar, me consertar ou perder a
sanidade de vez.
Rabiscou o portão do Seu Manel. Escreveu nada. Só rabiscou. Pôs a letra C e a letra U. Castelo? Casa? Carniça? Adorávamos brincar. Um? Umbigo? O meu é daqueles que é um vão com um morrinho dentro. A da maioria é apenas um vão. Um buraco. Mas o U, no caso, era de Ubaldo, Ubaldinho, Dinho. Podia ser. Todos me chamavam de Dinho, exceto ela que ou chamava de Ubaldo ou de Baldinho só pra me irritar. Olhos amendoados, cílios grossos e olhar cínico. Éramos malditas crianças de treze anos descobrindo as coisas. A diferença era de quatro meses na idade e que ela parecia saber de todas as coisas da vida e eu ainda descobrindo. Uma puta
virgem e apaixonante.
Estação Del Catilho, metrô linha 2, sentido Estácio. Não sei porquê mas a moça de vestido preto me fez lenvantar os olhos, a cabeça, o corpo. Passou e parou no final do vagão. Levantei e permaneci de pé a uns três metros dela. Era magra. Muito magra. Nem tão magra. Mas era magra. Sei lá. Descobri em cinco segundos o que me tomou a atenção. Olhos amendoados, cílios grossos e olhar cínico. Sorriu pra meia-dúzia e saiu cínica continuando a viagem até a Carioca. A segui. Quando parou para atravessar a rua após sair da estação recostei a centímetros, milímetros se fosse o caso. Senti um perfume bom. Taquei meu celular como um assaltante às avessas dentro da bolsa dela. Voltei e a dois dias não durmo.
Época boa. Um dia brincávamos de imitação até que fui atender mamãe. Havia voltado em trinta minutos. Deparei com Clarice dormindo no sofá, uma anja. Na frente do sofá havia um espelho grande. Chamei-a umas vezes sem sucesso. Comecei a ler sozinho um conto que líamos sempre.
Reparei quando me virei de frente para o espelho que Clarisse abriu inocentemente os olhos. Voltei e ela continuava estática. Fingida.
Assim que cheguei ao trabalho toquei para o meu celular. Faziam uns vinte minutos depois que
pus o celular na bolsa dela. Não atendeu. Continuei tentando. Ela atendeu.

sábado, setembro 06, 2008

O casamento em um pote de sorvete

Se não tem ainda, terá. É sentimento de culpa, momento de euforia, nota baixa, decepção com alguém confiável, trocar sal por açucar, achar que o pote de sorvete guardado no congelador era realmente sorvete e não aquele feijão velho. O menino do rio era feio, rapaz. A garota de ipanema, uma rapariga de barriguda. Mas era moda ser feio. Mas era moda ter saliência na pança. A minha moda, em particular era viver. Não tem história de surfista da zona sul fazendo sexo na areia ao raiar do dia não. A minha é pra lá de Marechal. Pra lá de Campo Grande. Pra lá de Campos. Escolhe uma cidade distante aí, é nela. Limitei a dizer aquelas coisas que só se vê em filme.

- Escolhe um planeta.
- Um planeta? Saturno. Adoro os anéis. É mais pelo cliquê e não pela música da Rita Lee. Aposto que iria me levar para lá, não é mesmo?
- Te levo aonde quiser.
"- Só se for em pensamento. Gosto tanto do Pradinho mas assim fica difícil. Ele sempre diz que irá me levar em algum lugar. Sempre o mesmo sorriso romântico. Sempre a mesma melodia. Minha rádio quer sabia dessa MPB de sempre."
- Faz tanto tempo, não?
- É. É meio estranho.
- Mudei?
- Claro. Fazem cinco anos. Você era careca, praticamente. Raspava a cabeça.
- E você era do Ensino Médio.
- E sonhávamos.
"- Ela está linda, como sempre. Não mudou nada. Casados há cinco anos, quem diria. E eu irônico como nunda."
- Eu sonho ainda, minha peixinha.
"- O ruim é deixar passar pela primeira vez. É como sexo que faz entrar o dito cujo uma vez, um sofrimento e depois disso vira rotina. Era pra ter dito que não gosto que me bajule o tempo todo e que não gosto que me chame de peixinha. Não sou do mar."
- Meu...meu...meu lindo.
- Seus seios continuam lindos.
"Flácidos"
- Obrigada. Suas pernas continuam torneadas. Parece jogador de futebol.
"Gelatinas"
- Rosto jovem ainda.
"Enrugada"
- Seus cabelos grisalhos dão um tom charmoso...
"... e idoso. Se cuidasse..."
- Me ama?
- Gosto muito.
"- Ela não disse que ama. Não disse. Olhou pro chão. Rastejava por mim. Agora lateja de tesão por ver Saia Justa no GNT. E só."
- É?
- Te amo, claro.

E depois de umas semanas nos cruzamos no pior sentido da palavra cruzar. Ela cruzou as pernas e nada de sexo. Eu cruzei a cidade e tudo de sexo. Cruzei o portão e nada de Amália. Cruzamos por mais umas vezes. Um dia atinei a chegar em casa mais cedo. o Álvaro estava na sala vendo TV de cabelo molhado. Banho tomado, sabe? Outro dia a Rita ligou lá pra casa. Não passou disso. A conversa não passa disso. Sabemos de tudo e não sabemos de nada.

"- Se eu tivesse tido a coragem de não seguir em frente com algo à meia porção de prazer."
"- Se eu não tivesse forçado tanto a barra."

Eles só tem dois filhos. Só dois filhos. E é nessas horas que encontramos o pote de sorvete cheio de feijão congelado. Essa é a tônica do casamento até que me provem o contrário.

sábado, agosto 30, 2008

O botão errado

Rapaz, é assim mesmo. Você sabe que a opção certa é a B e você acaba escolhendo a C. Sabe que leite gelado faz o bolo ficar "solado" e mesmo assim o utiliza. É como contratar atacante que não faz gol. É como provar do caldo de cana daquela barraca que você já sabe que é amargo. Sabe-se que a dita cuja é inútil para cuidar das crianças e mesmo assim a delega tal função. Amigo meu, é como tacar alcool na brasa e não querer que ela se alastre. Taca o azul no amarelo para ver no que dá. Aperta o botão errado para ver no que dá.
Agora, cá entre nós, apertar o botão novamente para quê? Cornélio já tinha a sugestão em seu nome pecaminoso. Casou-se com Terezinha Corrimão. Não farei mais delongas na história. Entenda meu caro leitor recheado de paciência. Se a fruta é adúltera porquê motivo, razão ou circunstância o moribundo vai casar-se com a penduradora de objetos bem identificados nas testas alheias? Porque tu, comerciante de cada esquina, vai permitir o famoso fiado se a dona pomposa não pagou os últimos três meses de dívida?
Chuta com a perna do joelho ruim? Duvido. Visita a sua amiga e ao entrar novamente na casa dela escutando novamente a famosa frase do "não se preocupe, ele não morde, é treinado" depois de um dia ter sido mordido. Vai confiar? Vai confiar no último mentiroso? Vai confiar na metereologia que diz que fará sol justo no dia que tanto chove?
Canalha daqueles que tem a cara de pau ou a ausencia de amor próprio para mesmo assim confiar na opção que se fez convicta de errada. Mas se o cara quer casar-se com ela, deixa. Vai ver é por amor. Se quer confiar no último mentiroso, deixa. Vai ver o cara se redime. Mas eu, particularmente, não tenho ingredientes sobrando para tentar fazer o bolo outra vez, nem esperarei algumas das crianças caírem do sétimo andar para atestar que a mulher não é cuidadosa com as infelizes. Não vou apertar o botão errado uma vez mais. Você quer apertar o botão errado por mais esses anos? Então não reclame. Um dia restará o último fósforo no meio do nada, com frio e solitário. Vai arriscar a última chance? Vou apertar o botão que nunca apertei mas não aperto o que já deu errado. Ah, claro. Ainda temos que saber que entre saber qual o botão errado e não saber qual é o botão certo corre um oceano de piranhas disfarçadas de peixe nobre e tubarões disfarçados de golfinhos dóceis. E olha que vivo em um país no qual as pessoas tem vocação para sofrer e serem felizez assim mesmo. Vá entender.

terça-feira, agosto 19, 2008

A piada do mal

Agora eu quero ser vilão. Quero mostrar para todo mundo o lado ruim das coisas. O lado bom, existe. O lado ruim, persiste. E ele diz: eu sou você, nos completamos. Concordo. Nas colossais lutas um é metade do outro. O bom sempre está à espera para sucumbir ao realismo. Para ser bom se faz força. Para ser mal se tira o pé do freio. Somos os favoritos que nunca chegam vitoriosos. Somos os verdes que sempre amarelam. Somos a risada no meio do funeral. Somos, disse outro, quem não podemos ser. Exatamente. Sempre somos o contrário, o bonifácio muito difícil. Retornamos ao complexo de vira-latas. Sucumbimos à maldade, que maldade! Suas risadas assustadoras me mostraram o lado lúdico da coisa. Mata. Ri. Chuta. Cospe. Enfia o prego no olho como num passe de mágica. Todos são assim. É a genealogia da sociedade. Nasce, cresce, reproduz, aprende a vender o filho, mata e morre. Heath Ledger, o Coringa que fez Jack Nicholson ter vergonha. E a mim também. Foi mal. Ri da piada do mal.

terça-feira, agosto 12, 2008

Ana Carolina

Nem aquela cocada deliciosa animava um pouquinho à toa o meu sorriso. A carga de trabalho fuzilava o restinho que sobrava de alegria como um grupo de extermínio matando por prazer. A quem fiz mal? Ao quê fiz mal? Fiz mal? Troca a página. O primor da vida são algumas surpresas. O telefone tocou - e eu odiava muito isso; fazia sempre uma espécie de descarrego, xingando até o útero de quem quer que seja o infeliz que se prestava a pertubar alguém por telefone. Senhores, confesso, é culpa novamente do trabalho. Retorne à virada de página.
- Oi, mano?
Ou era boiolagem ou eu estava muitíssimo com tudo à flor da pele. Chorei, ué. Afinal, contudo e principalmente eu não conto o porquê agora. Vamos para uma folhinha de caderno surrado que eu lhes conto um pedacinho da anedota que é essa coisa de irmão e irmã e aproveito e paro de enrolar o causo e rechear o escrito com palavrinhas bonitas.
Ou era boiolagem ou eu estava muitíssimo com tudo à flor da pele. Chorei, ué. Afinal, contudo e principalmente eu não conto o porquê agora. Vamos para uma folhinha de caderno surrado que eu lhes conto um pedacinho da anedota que é essa coisa de irmão e irmã e aproveito e paro de enrolar o causo e rechear o escrito com palavrinhas bonitas.Tem gente que nos causa sintonia sem nem abrir a boca. Através da amiga da amiga da amiga da minha namorada à época eu conheci uma menina numa festa caseira. Festinha, digamos. Simpática. Ela e a festa. Passamos a conhecidos. Virou colega. De amigada virou amiga. Amiga por amiga ela se fez mais que isso. Cresceu um sentimento diferente. A gente se entendia pelo olhar. E era uma coisa de um que precisava proteger e de outro que precisava ser protegido. Fui adotado pela família dela. E olha que eu nem era orfão. Estou longe de ser. Bate na madeira, pé de pato mangalô três vezes. Era mamãe, irmã e ela. Pronto, deu-se a magnitude inexplicável que transformava todo instante em paz. Podia estar tudo errado que as asneiras inteligentíssimas que a loirinha soltava competiam com os melhores momentos da vida. Gargalhava até sem motivo. Nos tornamos assim, com a benção de um Deus tímido, aristocrático e inspirado, irmãos. Só que um ano depois as raízes e a necessidade da mãe, sobretudo, de construir uma vida melhor - não que fosse ruim - as fizeram, mãe e filhas, partirem para o berço que nunca haviam esperimentado. Uma volta para o que não foram. Mudaram-se para Portugal. A partir daí, dá-lhe MSN Messenger, e-mails, telefone e cartas.
- Oi, mana. Caramba, saudades absurdas.
Era ela mesma depois de muito tempo sem ouvir a voz e com uma notícia maravilhosa e malvada. Arrumou tempo e dinheiro para passar as férias do meio do ano - final do ano lá - aqui no Brasil. Bate e pronto. Foi exatamente de supetão que concordei. É um daqueles sonhos que a gente nunca esquece, nunca nega, levita, jamais irá parar de pensar até que se realize e, em caso de não realização, causa dores cavalares. E o cavalo aqui sente é dor. E o remédio dos remédios estaria vindo já. Era em uma semana. E a malvada queria porque queria que fosse segredo para os outros amigos. Concordei. Finalizamos a ligação.
Mais ou menos duas horas atrasado. Não eu, que sou péssimo com horários. O vôo procedente de Lisboa com uma conexão burra em Madrid. Fui sozinho e alterado. Eu que não bebo acabei bebendo na lanchonete do Aeroporto Internacional Tom Jobim uma taça de vinho tinto e até cantei Águas de Março. Uma, duas, trinta e sete pessoas. Nenhuma com cara de portuguesa. Ignorância, senhor. Só porque ela vem de Portugal não quer dizer que virá rodeada de gajos bigodudos. E eu, distraído e meio tonto danei a olhar para o desembarque de Miami. Fui atacado, derrubado, ladeado por uma onda loira de uma pessoa só. Precisaria dizer que o aeroporto inteiro parou para nos ver assim? A gente danou a chorar pra caramba. Rios, mares, oceanos bons. Ela tinha mudado. Estava com um ar maduro que mesmo assim não escondia a moleca que tinha partido. Antes era mulher disfarçada de menina e naquele instante uma menina revestida de mulher.
Depois disso foi mais ou menos assim. Era combinado que se hospedaria na minha casa por duas semanas. Íamos de casa em casa para visitar os amigos. Minha mãe a recebeu bem. Meu irmão ficou feliz da vida. Queria fazer festa. Ela preferiu a discriçao. E eu? Bom, eu me pegava de vez em quando admirando aqueles momentos sublimes. Qualquer coisa pedia com a minha carinha de criança querendo pipoca que me levasse junto. Sei não mas talvez ela não volte sozinha para aquela cidade aos redores do Porto.

segunda-feira, agosto 04, 2008

O sempre de anteontem

Marcamos uma dança, um encontro sem ponto. Era pra dar um ponto. Pronto. Só com a idéia fiquei meio tonto. Mas era pra terminar logo esse conto. Contei pra ela que seria na praia, porque não? Quando namoramos nunca fomos à praia mesmo. O resto eu conto.

Fico desejando nós. Eu fico gastando o tempo. Eu entendo. Faz é tempo. Mas se não falamos, fica no ar. É capaz de Tim Maia ficar dizendo "leva, leva, leva!". Levei uma bárbara enganada. Fui lá enganar também. A gente tinha que se testar novamente. A gente tinha que encontrar testa com testa. A gente tinha que ter um novamente. A gente tinha que ter. E ter era o mesmo que não ter. Tenho comigo que podem me roubar até a alma mas fica esta noite na memória.

Ela agora tem seus 26 anos. E eu meus trinta e três. E foram três vezes que fingi não tê-la visto. Visto que eu de vez em quando finjo que não entendo, finjo que não sabia de algo e até finjo que esquecia alguma coisa, finjir não tê-la visto foi uma coisinha de nada. Não falamos nada. Os braços e lábios se encaixaram. E quem disse que havia mais alguém na praia? Fiquei a um ponto estratégico entre o escárnio e a paixão. O amor escarrou na minha cara. Os seios continuavam exatamente os mesmos, duros e volumosos. A cintura com aqueles pêlos que faziam veludo da barriga até as virilhas. As pernas ainda grossas. A voz ainda a mesma. E nem faziam anos. Os anos que se faziam. Depois foi unânime.
Eu pedi motivos. Não somos mais um casal. O melhor é não haver mais nada. Sabíamos mesmo que era uma despedida. Me bateu na cara no que eu devolvi. Fizemos mais uma vez. E foi mais selvagem que todas as vezes. A gente cria um castelo achando que ela nos quer como príncipe ao invés de ter a sensibilidade de perceber que ela queria era o bandido. A mulher é o antagonismo da ordem. O homem é o antagonismo da ética. Os dois são contrários ao mesmo oposto. Entre ordem e ética respira ofegante o sexo com amor. Eu sei que vou encontrar alguém melhor que você. Você vai encontrar alguém melhor que eu. A gente não se arrepende. Mas é um ponto final. Vamos fugir pra não botar fogo no mundo. Mas é tarde pra fugir? Acho que é tarde pra dizer que eu te amo e quero denovo botar tudo a perder. Ganhei. Sua vez.


Música: Amado - Vanessa da Mata

domingo, julho 27, 2008

Romance da meia entrada - Parte III (Final)

Sempre morei no mesmo lugar, na mesma rua, com a mesma proximidade pacata da roça. Sempre passava uma carroça levando palha bem sequinha de um lado para o outro. E era a única coisa de roça, na verdade. Era o mesmo instante da carroça o instante de buzinas. Afinal, morar no centro da cidade é estar disposto a ficar perto de tudo que a modernidade oferece - de bom, de muito bom e de extremamente ruim. Rua Paraibinha, n°303, Soltão, Felicitança.
Já eu, sempre tive boa memória. Este que agora vos fala, contrariando as tendências masculinas, sempre lembrou das datas importantes e até das menos importantes. Senhores, senhores. Conto sim o que aconteceu. Encontrei uma branquinha desmaiada. Não uma branquinha. A branquinha que a meia vida vive longe, que a meia rua está longe, que a meio metro estava de mim com inteiras lágrimas e meio desacordada, à meia luz, um abraço inteiro como um meio beijo. Acho que ela fez de sacanagem. Pressão baixa, eu disse. Peguei-a no colo, reconheci todas as covinhas, todas as curvas dos lábios e até o antigo perfume. Quando cheguei perto da enfermaria ela começara a acordar. Piscava lentamente, formigando meu peito. O cinema havia ficado lá, finalzinho do filme. Um homem muito bem apessoado, olhos vivos, elegante e simples, agradeceu na suave voz.
Até hoje eu tenho uma enorme sensação de que o perfume da minha blusa era dele mesmo, que me carregou como só uma pessoa havia me carregado na vida. Até acho que aquele topete que teve o topete de me carregar era dele. Mas não sei não.
Até hoje eu fico com o fim daquele filme na cabeça. Li na internet. É, óbvio, o casal revolucionou a relação das duas cidades. Só ficaram os nomes, Cidade Silente e Cidade da Música Encantada. As duas musicavam, as duas silenciavam, as duas se tornaram apenas cidades. E, além do bom, terminaram juntos. Só outro dia que fui ver a mesma história da bailarina transposta ao teatro. A Atriz principal? A branquinha da meia vida, dessa vez meio branca apenas, inteiramente talentosa. Fui sorteado para visitar o camarim. Ela estava apenas de meia, meia-calça e disse que sempre me amou por inteiro como por inteiro amei-a. O que que fazíamos separados? Não sei. Talvez seja a vida apenas um jogo de meias verdades.

quinta-feira, julho 24, 2008

Romance da meia entrada - Parte II

Passei a ter repúdio de cinemas quando eu e ele terminamos sem comum acordo. O cinema sempre era testemunha ocular do nosso amor impróprio e sem meios. Mas como bailarina dedicada e apaixonada resolvi enfrentar a repressão que a psicóloga disse que há em mim e fui ao cinema. Sozinha, diga-se de passagem, de viagem, de meia entrada mesmo. Era o filme daquela menina, aquela que fez Soníferos Animados 3, sabe? Esqueci o nome da dita cuja. Fez também aquela comédia Fala que eu te Onça. Enfim, fui ao cinema. Até aí até que estava bonita e nisso meu espelho é feroz. Pensava que podia ter baixado Homem-Aranha 8 ou ter ido para Curitiba no trem bala da tarde. Voltaria, sei lá, no máximo no início da madrugada. Amanha não trabalho mesmo. Que se dane. Brinquei de viajar agora. Não tem trem-bala para Curutiba e ainda nem se fala em Homem-Aranha 4. O ano é 2008 mesmo. Cheguei atrasada, como sempre. Quando topei na criancinha e derrubei meia pipoca dela, claro, estabanada como sempre fui e meti-me a pagar uma maior que a dela. Adoro, realmente, as crianças. Levei um susto. Dei o dinheiro que nem sei quanto e corri para a sala escura. Ainda tinha o número dele no meu celular. Resolvi ligar, porque não? Coração, coração, bate mais devagar que o silêncio do cinema denuncia tudo, tudo mesmo. Foi meio estranho, meio torto, meio segundo de ligação e minha meia, rosa, ja estava suada como a blusa, o jeans, do nervoso canastrão que eu passava. Pior foi começar a filme. Cinco pessoas no cinema para um filme nadinha - de verdade - barulhento. Ouvia a respiração do rapaz ao lado meio que choroso. Lado não, umas cinco cadeiras de mim. A sala até era pequenina. Filmes alternativos, cinema B, isso sim. O celular dele estava desligado. Vai ver é assim mesmo.
Uma meia vontade transformou-se em inteira. Meu peito começou a arder. Tinha falta de ar. Visão ainda mais escura. A bailarina torcendo o tornozelo e eu torcendo o nariz para eu mesma. Pressão baixa, ouvi de alguém.

domingo, julho 13, 2008

Romance da meia entrada - Parte I

Cinema, cinema, cinema. Era o filme da nova queridinha da América. História de uma bailarina que vivia na cidade da música encantada, cantava, dançava, conheceu um homem mais velho que, por sua vez, vivia na cidade inimiga, a cidade silente. Se organiza aí, leitor. Duas cidades: a Cidade da Música Encantada e a Cidade Silente. Qual o melhor lugar? Aí que se questiona o filme. Acreditava a menina do ballet não poder conquistar o seu príncipe por se considerar feia, estabanada e ser de uma cidade diferente (sim, no filme a metáfora das cidades que não se relacionam por detrimento de pensamentos, como se a música fosse a antítese do silêncio, é magnífica). Uma história da mesma fábula de sempre com personagens diferentes.
Faziam, sei lá, uns três anos que não a via. Mora perto, mas tão perto, que chega a ser um absurdo cinematográfico e/ou novelesco que não nos esbarremos ao menos umas vezes nessa meia vida. A meia vida que se deu nesse meio tempo é meio estranha, meio cínica e inteiramente magoada.
Na fila da pipoca meu celular tocou (lê-se, vibrou). Um número que não conheço. Conhecia mesmo era o meu amigo, atendente da coisa lá que vendia pipoca e que me fez interromper logo após o primeiro toque a tentativa de retornar a ligaçao ao número distinto. Leitor, eu não sei que nome se dá às lojas que vendem pipoca nos cinemas mas sei o nome do amigo. O nome? Não é relevante. Tudo bem. Entrei no cinema.
Enquanto a bailarina escrevia sua historia na telona eu, em desacordo com o senso de ridículo, chorava a cada passo naquela sala escura e vazia. A bailarina torceu o tornozelo quando se tornaria a bailarina principal da compania. Infortúnios na hora errada. Foi para casa. Os pais a condenaram. Que condenação injusta não é digna de pena? A pena foi a expulsão da cidade da música e marginalização, em silencio, claro, na cidade silente. Quando foi auxiliada em meio a uma grande chuva pelo bombeiro caladão interpretado por Johnny Depp (vencedor do Oscar daquele ano) meu celular tocou novamente. Quando tentei retornar a bateria acabou. E era apenas metade do filme. A mocinha ainda se esperniava entre amar e não poder falar, literalmente. Parecia que ela dizia e não a escutavam. Reza a lenda que é oriunda da enorme facilidade de comunicação o prazer e a eficácia das expressões corporais e olhares nos primeiros contados das relações.
Hoje em dia sem celular não se pode nem ver um filme em paz. Boa hora para a bateria acabar.

quinta-feira, julho 03, 2008

Resumo dos avessos

Amor, resume tudo em verdades miúdas, ó mulher.
Amor, resume tudo em verdades miúdas
Amor, resume tudo em verdades
Amor resume tudo
Amor resume
Amor

Eu quero um amor incondicional, digo a você
Eu quero um amor, incondicional, digo
Eu quero um amor incondicional
Eu quero um amor
Eu quero um
Eu quero
Você.

quarta-feira, junho 25, 2008

Homo Sapiens

Homo sapiens
Nem é apenas hetero
Bem menos, sapo.
Nem canalha
Nem primata
Era para ser
Homem que sabe
O que na verdade
Não sabes nada.

quinta-feira, junho 19, 2008

Alzirinha

A menina lançou-se no ferro que sustentava a lona da varanda da lanchonete e toda serelepe assuntou com a mãe:
- Olha mãe, sou a Alzira.
- Que Alzira?
- A da novela, mamãe.
Crianças. E eu que imitava a cuca, a emilia, o pica-pau (sem conotações)...

sexta-feira, junho 13, 2008

Linha de raciocínio

Nas batidas das mais diversas baterias - Eu nao poderia crêr que batidas existam - haviam muito menos pêlos nas semelhanças tão diferentes - Eu nao poderia crer que diferenças tão semelhantes existam.
Notei. Notaste como tudo está igual? Portanto, nao subestime o que é mais magro, mais fraco, mais sensivel. Nao subestime a mim, cara pálida.

Deixa. O rock preferido está tocando ali no rádio e quero é bailar ao som da melodia.

Bailar? Que troço mais antigo!

Mas deve ser mais ou menos por aí o raciocínio.

segunda-feira, junho 09, 2008

Um "Feliz Aniversário" original

Antes, um menino assexuado. Hoje, superdotado fisica e intelectualmente. Pode ser que eu esteja mentindo um pouco. Quem sabe? Além das transformações, Thiago desenvolveu um dom maravilhoso, que foge da sanidade e fode com a cabeça da gente: ele escreve. Mas não escreve qualquer coisa, como qualquer um e em qualquer lugar no mundo. Ele é único, "uno", espécie rara. Foi um cuspe doce de Deus num mundo que não salivava há tempos; apagou as chamas do inferno com a sua hidro-imaginação que escorreu feito enchente para a terra do Diabo. Thiago se libertou das amarras no dia 8 de junho e, por isso, o parabenizo. Felicidades, meu querido. Muitos anos de vida!

Ps: eu não sou gay, tampouco ateu. rs

Por Paulo Fernando

domingo, junho 01, 2008

Na lápide desde agora

- Desejo ter desejos reais.
- O desejo de ter desejo já é um desejo. E os “não reais” também.
- Mas os meus desejos são quase sonhos.
- Porque não se pode sonhar?
- Meus sonhos são apenas palavras.
- Então são fáceis. Diga-me.
- Sonho ter um texto bonito em minha lápide. E estaria assim:

“Este homem lançou seu próprio livro, um romance inesquecível. Casou-se na praia com a mulher de sua vida. Viajou pelos mares do mundo com as pessoas que sempre amou. Aventurou-se. Aprendeu. Errou muito. Acertou bastante. Ganhou dinheiro com o que tinha prazer em fazer. Fez muita coisa que ajudou a humanidade. Fez algo que o tornou célebre. Será lembrado por futuras gerações. Este homem dono de um largo sorriso achou o seu lugar no mundo. Buscou e foi feliz”.

- Então seriam estas as palavras que gostaria de ter na minha lápide.
- Meu caro. Não importam as palavras. Quem grafa-las poderá mentir.
- Haveria honestidade.
- Aí é que está. Seus desejos são belos como seria a sua lápide.
- São irreais.
- São plausíveis. E são difíceis na medida em que deseja. Deseja tanto assim? O que está fazendo para que se realizem? Sonhar não custa nada. A não ser que você espera que se faça mágica.
- Tenho uma vida inteira para escrever minha lápide.
- Pense que tem um dia.
- Dois então?
- Dois.
- É que hoje é domingo, ta frio, chove...
- Sem preguiça a partir desta segunda-feira para desejar, realizar e ser feliz.
- Combinado.

quinta-feira, maio 29, 2008

Querem ver

Subentende-se um valor a mais no olhar.
E por ele que procuro
Procuro e nada a ele em especial, vem.
Para os ouvidos, música.
Para o nariz, cheiros que mais vêm da mente que do ambiente.
Mas pros olhos, carma, acizentadas paredes.
Eles precisam de borboletas à frente.
Eles precisam de cor.
Eu quero cor.
Mas, segundo uma das Leis de Murphy...
"O modo mais rápido
de se encontrar uma coisa
é procurar outra.
Você sempre encontra
aquilo que não está procurando".

(Thiago Kuerques - 19/10/06)

segunda-feira, maio 19, 2008

A desencantada do ônibus e do dentista.

Não sabia como me aproximar dela naquele matinal ônibus de todos os dias. Cabelos abusadamente lisos, como cortina de um palco para o rosto perfeitamente fino. Era a única que vi naquele veículo a cruzar as pernas num espaço tão pequeno. Sabia que era linda. Nathalia? Amanda? Rosélia? Fabiana? Joana? Claudinha? Assassina? Professora? Psicóloga? Matilde? Ana? Me engana!
Enchia-me de audácia todo dia um pouquinho mais. Foram tantas doses homeopáticas que me perdi. Mas depois me encontrei bem ali, cruzando com ela mesma na fila de espera do dentista. Éramos cinco. Depois quatro. O terceiro acompanhava o sexto que eu nem havia visto entrar. Restamos nós. Comecei o assunto. Ela lembrou de mim do ônibus. Fazia pré-vestibular no centro. E eu estagiando na engenharia. Falava de violoncelo e eu ainda sonhando com a guitarra. Pensava em natação e eu ainda nos próximos jogos do Caxias na tv. Viajou o mundo um pouquinho e eu só fui a São Paulo ver os Rolling Stones uma vez. Mas usava aparelho como eu.
Quando lembramos disso da última vez eu lhe resgatei em mim. Mirei duas horas nos olhos negros e prossegui. Agora, se ela me dissesse que se apaixonou por mim e não me acha um príncipe, muito menos encantado e que não chegou a mim porque buscava ele, eu a amaria por toda vida. E foi o que ela disse. Por toda a vida.

quinta-feira, maio 15, 2008

Mário Quintana não me ajudou

- E como está o namoro?
- Não estamos namorando.
- Hm
Era uma espécie de teimosia do destino. O namorado atual dela era tudo o que eu não consegui ser. Podia até ser rei e eu um pobre diabo. Mas eu sabia bem que o mais importante ele não haveria de ter. Pois eu guardava comigo. Era o meu pesadelo bom. O beijo, a uns três ou quatro meses atrás, tivera sido roubado por mim num ato de desespero. Quis, sim, tacar alcool na fogueira quase fria. Nunca havia recebido um olhar de tamanho desprezo. E ela se foi.
Meu passado e eu. Eu não queria saber mais que podia. Eu estava de teco-teco nervoso, um tique meio doido. Pegava carona nas pessoas que passavam com o meu olhar só para não ter que encará-la sem poder tê-la. Corria os olhos pela bilionésima filial do McDonald´s, pelo segurança vesgo, pela calça jeans escura dela mesma. Acontece que éramos criminosos por nos amarmos e não estarmos juntos. Aliás, estávamos em outras. Ela quase noiva sem mesmo namorar. Voê, leitor, não entende se não afeito a dogmas. E eu, sei lá. Deu-me um acesso voluntarioso e infindável de covardia. Corria mais os olhos pelos quadros expostos em preto e branco do passado da minha cidade. Santa história. Quer saber? Eu voltei a abrir a boca, o coração...
- Eu ainda te amo, menina. Eu ainda te amo! Não te amo pouco, te amo ainda mais.
E ela olhou. Olhou novamente. Se atrapalhou nos passos. E olha que estava parada. Olhou ao redor. Me aproximei. Estava com blusa rosa e ela de verde. Rompia nos pés uma vontade de correr o mundo com ela furtada a tiracolo. E foi de vez em vez que os lábios pareciam ímãs. Mas o beijo era exatamente aquela parte do íma que repudia. As bochechas grudavam e as bocas não se permitiam. O que é que o bom Mário Quintana diria a ela? Diria para morrermos.
- Morrer? Tá louco?
- Nunca leu Mário Quintana?
- Li, sim.
- Mário diria...
- Gosto de vida.
- Mário diria que é tão bom morrer de amor... e continuar vivendo.
- Estou grávida do meu noivo... E Mário Quintana saberia que existem muito mais coisas além de amor. Chegamos ao fim.

sábado, maio 10, 2008

Culpa do noticiário

Que me faz sumir do mundo.
É uma criança que morre
E muita gente que surge
Parecem nascer da tragédia sensacional
Justiceiros do aparecer
O absurdo fantástico
Que é hoje viver.
Um mês de ausência
Sem amor em maio
É tudo culpa
Desse tal noticiário.

segunda-feira, abril 28, 2008

Rekeio

- No rekeio, pai.
- Não, filho. É recreio.
- Rekeio.
- Não. Re-creio. Repete comigo.
- Re-KEIO.
- Re...
- Re...
- Cre...
- ...
- Fala, filho. Cre...
- Keio?
- Desisto.
- Eu só como, papai.
- Deixa, meu bolinha.
- Deixa lá nada.

sexta-feira, abril 25, 2008

Ex

Já tive alguns meninos mais. Uns garotos, apenas garotos. De nada não eram ruins. Eram apenas eles. E eles, nenhum deles, são em alguma parte você. Não consigo nem ver Leoni cantar que não seja com você. São outros namorados e nenhum pode encaixar um abraço feito os seus. Eu me encolhia e descobria assim que o amor nos faz coragem e vítima, medo e aconchego. Depois de você, sei não.
Agora, apenas amigos. Assim não vale. Acho até que engordei, enfeiei o que eu achava que não podia ficar pior. Quando me chamava de baixinha eu até queria encolher mais pra ver o quanto você podia me proteger. Outro dia achei uma carta. Nosso primeiro mês. Não consigo ver as meninas do seu lado, sorrindo. Elas não merecem o melhor homem que tive na vida. tive até garotos antes. Nenhum deles fez o que você me fez.
Tem gente que até hoje pergunta de ti. Mas quem não pergunta sou eu. Pena que te conheci a milhões de anos atrás...

terça-feira, abril 22, 2008

Ainda não começou

"Mesmo que fale três línguas e eu ainda no português. Mesmo que venha de carro e eu a pé. Mesmo que seja enorme e eu pequeno. Com suas viagens, suas experiências. Mesmo com tudo. Não faça mais nada porque até o meu consciente sabe que teu inconsciente me quer. Não é papo de galanteador, não. Não é indolência, por favor. É a verdade que já está dita e bem dita. Teu inconsciente sobrepunha teus olhos e, assim, teus olhares são meras crianças falastronas e sinceras."
- Achei isso jogado no chão da tua sala... - disse ela a mim.
- Ah, sei lá. Apenas um trecho de um filme.
- O filme da nossa vida?
É sim, o filme da nossa vida. Eu estou aqui olhando nos seus olhos e não consigo não mais te ter.
- Responde. É o filme da nossa vida?
Eu não conseguia falar. É uma ferida aberta para a etenidade. Eu fingia que não amava mais. Ela também. Mas...
- Ahh, tchau.
E eu fico apenas pensando. O mais covarde. Não consigo falar nos olhos dela. Esses mesmos olhos infantis e falastrões...
- Eu ouvi o que você falou...
- Eu tô falando de amor e não de qualquer coisa.
- E eu estaria falando de quê? Bobo...

Já se pode imaginar no que deu.

quinta-feira, abril 17, 2008

Aquilo denovo?

- NÃÃÃÃÃÃÃO. É o fim!
- Que isso cara?
- Não dá pra acreditar. Sinal vermelho!
- Um sinal vermelho, Evandro.
- NÃÃÃÃÃÃÃO, outro sinal vermelho. Puta que paril!
- Calma, amigo.
- Calma nada. Olha alí. Uma maldita nuvem cinza. Vai chover e minha praia vai babar.
- Hoje é terça-feira. Sua praia é sábado.
- Puta que pariiiiiiiiiiiiiiiiiil!
- Já sei. A Sandra tá de TPM denovo, só pode.

sexta-feira, abril 11, 2008

O feriado do "comigo não tá".

Acabo de vê-la apagando mais que meia dúzia de palavras difusas e resgatantes de um passado recente. Foi a flor que me negou. Também pudera. Criança diz "comigo não tá". E eu não me dei conta que tinha que dizer "nem comigo". Está comigo.
A menina que Jobim não musicou apaga a cada olhar alheio, a cada escorrregão pra lá do trilho que caminho o estreito que ainda nos unia seja lá de que forma fosse. Ah, Jobim, ela se distancia num clarão cada vez mais irreversível, irredutível.
Que música surda, que ar voluptuosamente cruel, que amor consumido em tão pouco tempo e que deixou um rastro um tanto eterno de destruição. Façamos de um feriado o dia de hoje para que eu possa não trabalhar e morrer com razão ao menos por justificáveis vinte e quatro horas.

terça-feira, abril 08, 2008

Bibinha e Romão

Os casais possuem certas animosidades. Deve ser o tédio de ser feliz. Ou a felicidade acumulada sendo usada nas suas mais variadas formas. É criativo. Romão e Débora. A quietude e a vontade de falar demais. A fantasia e a realidade. A criança e a moléstia boa. E o casal num acesso de amor.
- Guarda para você. Presente - Debora sorri, meiga e cruel.
- Pra jogar no lixo?
- Não. Presente pra você. Vai jogar no lixo um presente da sua namorada? Guarda para sempre.
- Presente? - ele respira. Ela testa sua paciência ou até a sua paixão - Tudo bem. Olha aqui ó. No bolso. Em casa guardo num lugar bem bonito, muito bem guardado. - Continuou Romão, amargo como a fruta e não tão frio quando você, meu leitor, imagina.
Um ano depois. Tá, um ano, quatorze dias e dezesseis horas e trinta e cinco minutos depois. Exato? Não. Mas é mais ou menos por aí.
- Sabe, amor. Estava lembrando daquele dia no Laranja da Terra.
- No Laranja da Terra? Ah, aquele restaurante no baixo Iguaçu? Lembro, mais ou menos.
- Bem queria ver se você ama a Bibinha aqui. Ama?
- Amo sim Bibinha.
- Então me mostra o presente que te dei naquele dia e que você disse que ia guardar muito bem guardado.
- Amor, faz muito tempo.
- Você não guardou.
No mínimo Bibinha o fez ficar um mês sem sexo. No máximo? No máximo Romão entendeu que as mulheres são seres com extraordinária memória e extraordinária capacidade de nos testar, irritar, sei lá, sempre.

sexta-feira, abril 04, 2008

Causo de suspeita

- Já viu teu irmão?
- Desde que ele nasceu.
- Não. É que ele ta tomando soro.
- Que que ele tem?
- Tá com suspeita...
- Eu sabia. Sempre suspeitei dele. Sempre suspeitei daquele jeito bem vaidoso, muito metrosexual...
- Não. Ele tá com suspeita de dengue.
- Ah...essa suspeita então...

quarta-feira, abril 02, 2008

Pseudônimos

Não sei se eu poderia criar vários de mim. Não sei se hoje em dia caberiam meus pseudônimos disciplinados na minha escrita. Fernando Pessoa criou o seu Ricardo Reis, o seu Alvaro de Campos, o seu Casais Monteiro e funcionou. Caso eu criasse meu Roberto da Batista, meu Osair Rosal não funcionaria. Visto que me esconder atrás de um pseudônimo seria complicado nesse conteporâneo mundo eu sou eu mesmo. Caso houvessem dois, três de mim seria inútil e falível. Ninguém acreditaria, seria acusado de plágio de mim mesmo e, de vez em quando, nem eu acreditaria em mim.

domingo, março 30, 2008

Bengala espanhola

Espanhola querida porque não me deixa entrar?
Porque sou latino-americano, africano?
Porque sou negro, pardo, misturado?
Porque sou pobre?

Espanhola querida porque não me deixa chegar?
A chegada é tão bonita.
Não quero arrancar teus euros de graça.
Faço o que a tua prepotência já não quer.

Espanhola querida porque não me trata como gente?
Eu faço obra e você ocupa.
Eu sirvo e você bebe.
Eu planto e você colhe.

Espanhola
Tu és velha
E se não sou eu, imigrante
Tu não anda.
Têns certeza que vai fechar a porta para sua bengala?

quinta-feira, março 27, 2008

Todo César quer seu Brutus

Todo índio quer a sua aldeia; todo Steven Spilberg quer o seu sucesso de crítica e de público; toda Roma quer seu império; todo o Rio quer ser de Janeiro.
Todo crítico quer saber de alguma obra; de obra também querem saber os pedreiros; toda mulher quer o seu homem - ou sua mulher, ou seu animal; todo Raul Seixas quer ser a mosca da sua sopa; todo Fausto quer seu Goethe; toda bailarina quer seu grande espetáculo; e todo espetáculo, porque não, quer a sua grande bailarina.
Todo Romeu e sua Julieta qualquer; todo domingo e seu almoço familiar; toda bola quer seu chute, arremeço, ponto e gol; professor quer aluno bom; patrão quer empregado são; surfista quer o mar showzão; toda criança quer sua brincadeira de se achar adulto; já todo adulto quer seus momentos de criança;
Mas todo mundo quer alguma coisa então; todo Thiago, por exemplo, quer o seu H reconhecido; todo eu quer todo a si; eu quero toda você; todo Cristo quer o seu Redentor; todo eu, então, me rendo a você, porque não?
É por isso que não acho estranho meus olhos quererem de vez em quando lágrimas, nem porradas. É porque tudo se relaciona. Todo boxeador quer levar o seu direto de esquerda; todo costureiro quer furar o dedo na agulha; todo juiz quer dar a sentença errada alguma vez só pra se sentir humano. Até César sabe que foi ele quem quis o seu Brutus. Até eu sei porque tenho estado de luto. Mas tem gente que falaria melhor disso que eu e, no mais, fazendo uma canção.

domingo, março 23, 2008

Filhinha do papai

- O senhor não tem vontade de fazer uma loucura?
- Papo de psicóloga. É. Não, não tenho.
- Não tem nenhuma vontade de fazer uma doideira?
- Não.
- Não tem nenhum desejo reprimido?
- Já disse que não.
- Ah, impossível. Você pode falar pra mim. Todo deputado tem.
- Martha, o que quer?
- Te subornar, pai. Mas não sei de nada ainda.

sábado, março 22, 2008

Sábado nem paixão muito menos aleluia

Sábado da paixão, dia 22 de março de 2008. Fui lá ter com o impessoal que me cerca.
- Vamos malhar? - Eu sugeri sem que me deixassem completar. E responderam concordantes.
- Qual academia?
- Esquece.
Afinal o que é o mundo hoje em dia senão um pote vazio que fala inglês e abocanha dólar e sexo? Não era dia de malhar o judas? Malhei.

domingo, março 16, 2008

Cúmulo do texto

Andei pensando nos cúmulos. O cúmulo da sujeira é o homem lavar dinheiro em praça pública. O da ironia cabe aqui mesmo. É a prostituta romântica que sempre sonhou casar virgem. O da elasticidade é quando eu piso com o pé direito na razão e com o pé esquerdo na emoção, como se encostasse cada pé, um em Yokohama e outro na Cordilheira dos Andes. O cúmulo da perfeição é se apaixonar pela mulher da minha vida e saber que ela por mim é perdidamente apaixonada. O cúmulo da exaustão é gritar com os olhos porque não se tem forças para fazê-lo com a voz. O cúmulo da miudeza é deixar na caixa de fósforo e fazer um grão de arroz como travesseiro. O cúmulo da falta de assunto é querer falar algo bonito e sair apenas um sorriso. Mas aí é que o assunto começa. O cúmulo da arte é escrever como Fiódor Dostoiévski e cantar como Elis Regina. O cúmulo da cegueira é abrir os olhos diante do amanhecer em Copacabana e perceber que a praia está suja ao invés de sentir o prazer de ser brasileiro e ser bonito por natureza. O cúmulo da beleza é correr pra ver a Ana Hickman de perto e tropeçar no meio do caminho com a Maria Fernanda Cândido. Aliás, isso não seria o cúmulo de sorte? Não. Mesmo porque o cúmulo da sorte é te conhecer. E o cúmulo do texto é escrevê-lo para me escrever.

sábado, março 15, 2008

Nem todas as flores desse mundo

Pulei muito alto. Bati a cabeça no teto branco de gesso. Nem doeu. Mas fez desequilibrio em mim. Tropecei ao descer da cama. Fui correndo. Cama, tapete, porta, corredor, escada, mais escada, sala, corredor, passei em frente ao banheiro, cozinha, avistei a geladeira, pia ainda úmida, tapete da porta embolado, um pé atrás do outro, quintal, cerca vencida num pulo. Gritei por ela. Olhei para o lado esquerdo e só vi um bigode carregando seu fila-brasileiro. Do lado esquerdo só vi o que vi em frente. Rua vazia de gente e de cor. Sei lá. Gritei denovo. Falei em tom ameno. Sussurrei. Não deu certo. É uma lástima mas a cama me levou mais um amor. Se ao menos soubesse que não era falso. E o bigode que nem é bobo nem nada disfarça. Vem todo mineiro e conta que viu uma mulher dobrando a esquina do mecânico. Disse que não se fazem mulheres como antigamente. Eu, é claro, perguntei como era antigamente. Ele só disse que as mulheres eram menos ousadas. Eu ri. Entrei em casa à toda. Mas é claro. O bigode estava certo. Ela, Marina, era branquinha que só vendo. Trabalhava numa loja de roupas íntimas dentro do shopping. Mas é claro. Deu dez horas e as lojas se abriram. Marina, Marina, muitas e muitas vezes Marina.
Rua, tantas ruas. Mais ruas. Ruas. Esquinas. Ruas. Avenidas e ruas. Shopping.
Ó, Marina. Só vim dizer que nem todas as noites serão iguais e nem tão diferentes. Ela diz que está trabalhando. Replico. É sério. Ela não podia falar na hora. De verdade, Marina. Qual a que mais gosta? Eu perguntei isso. Deu insanidade na circulação sanguínea. Suspirou um por favor. O que quer que eu faça para acreditar no que digo? Ela disse acreditar. E não acreditava. Em segundos adentrou um caminhão de flores. Muitas e muitas. Ela correu como gato corre da água. Zuenir, a patroa, pediu para que eu voltasse depois. Soube que ousar nem sempre é a melhor coisa. O único problema é que eu a amo. Ah, e ela odeia flores.

quarta-feira, março 12, 2008

Beijinho

Provei de pastéis
De bolinhos
E de bolinhas de queijo
Deliciosamente cruéis.

Provei de docinho de côco
De cuzcuz
E de goiabada
Lamentavelmente pouco.

Provei do doce dos tolos
O beijinho
Tinha até morango
Leite condensado
É a entorpecência dos amores loucos.


INGREDIENTES:
1 lata de leite condensado
2 colheres de sopa de manteiga ou margarina sem sal
100 g de coco ralado

MODO DE PREPARO:
Leve ao fogo em uma panela, mexa até abrir estrada, ficar em ponto de enrolar.
Coloque em um prato deixe esfriar.
Faça bolinhas passe no açúcar cristal, coloque em forminhas.
Sirva.
Pode-se enfeitar colocando um cravo em cada docinho.

segunda-feira, março 10, 2008

A vida não é uma comédia romântica e eu não sou o dono da história

Na rua deserta e madrugada ele se levanta da calçada quando a vê chegando de uma festa. Era apenas para entregá-la o anel de compromisso. Bêbado do mais alcoólico dos sentimentos.
- Então diz. Diz que não me ama. Derrete esse anel e faz um pingente. Aceita e em troca eu só quero um beijo.
- Não posso.
Ela vira de costas. Ameaça fugir. Ele a agarra por trás a beijando na nuca dizendo:
- É o último beijo. A última cena. Aí vou embora e saio do seu filme para sempre.
- Se eu for beijar você agora vou querer beijar muito mais. A vida inteira. Toda noite. Evitar de vez em quando até de vez em quando virar nunca mais.
Se tocam nos lábios. É beijo mas não é beijo. É final feliz mas não é final feliz. Era a maldita racionalidade se pondo entre dois encaixes de amor.
- Não posso ficar com você.
O argumento o faz lacrimejar.
- Eu não posso. Não quero gastar esse amor. Quero guardar ele assim, pra sempre.
- Nada vai mudar.
- Não depende da gente. É o tempo.
- Que tempo é esse que vai mudar o meu amor?
Impera o silêncio. Ela parece irredutível.
- De que tamanho? De quantos séculos?
- Trinta anos.
- Eu espero. Só pra provar pra você que amor não se mede por fita métrica. Muito menos por calendário.
(Do filme "A dona da história")

Quem sabe os filmes não foram inventados para acreditarmos no amor e nas suas coisas fantásticas por pelo menos duas horas de tela grande? Basta sair e reparar que a vida não é assim. E Veríssimo me disse a algumas semanas atrás que a vida não é uma comédia romântica.

segunda-feira, março 03, 2008

Eleitora do Aécio

Juro que estava bem no meu canto. O bom do ônibus era o ar-condicionado. Tenho a mania de sentar sempre na metade do ônibus que é pra nenhuma coroa parar ao lado com cara de vítima para eu ceder meu valioso lugar. Não sou insensível, minha gente. É que eu sou um iluminado. Faça as contas comigo. Se são mais ou menos trinta lugares porque somente eu para levantar? Pela minha cara de adolescente? Por favor. Faço a minha parte mas tem dia que o cansaço prevalece. E naquele dia foi assim. Peguei o ônibus no ponto final. Uma filazinha de nada. Sentei na ultima poltrona do lado esquerdo, janela. Abri o semanal. Ônibus ligeiramente vazio. Lia uma matéria sobre a eleição do Aécio para presidente. Votei nele. Percebi alguém sentando ao lado. Perfume doce. Não sou chegado. Mas não desagradava ao todo. O ônibus partiu.
Chovia do lado de fora. Era morena. Mas não cheguei a olhar para ela. Assim na cara de pau? Não, não. Ela que olhou. Engoli a seco a falta de jeito. Disfarçou e recostou em mim. Soltou a mão na minha coxa. E tirou. Pensei comigo que seria sem querer.- Também votei no Aécio.Eu sorri meio seco, meio sem graça. Nunca consigo falar assim, do nada. Mas ela continuou.
- Gelado aqui.
- É.
- Vazio aqui.
- É.
A mão voltou. Foi subindo. Chegou na minha virilha. Comecei a enrubecer. Foi levantando minha camisa. Olhei para frente o cobrador dormia. Começou a abrir a minha calça, soltou o cinto.
- É, opa. É, espertinha você.
Não me respondeu. Gaguejei e ela não respondeu. Beijou minha barriga. Safada. Cachorra mesmo. Desceu a minha calça até os joelhos. Com a boca no meu pescoço e a mão no meu guerreiro. Começou a mexê-lo. Parou.
- Que isso, pára não.
- Mas...você...
- Eu o quê?
- Me agarrou! Seu louco!
Levantou. Saiu do ônibus. Não sei se todas as mulheres são loucas. Mas quase todas são. Acordei do tal sonho. Sim, o ônibus foi imaginação. Levantei e admirei a minha esposa que dormia ao meu lado na cama. Certa vez ela criou caso dizendo que eu era cafajeste antes de conhecê-la e que não duvidava nada de que eu continuasse sendo com ela. Lembrei do sonho. Nunca mais discordei das mulheres. Portanto deixo que a expressão, o olhar e a cumplicidade expliquem a fidelidade ou qualquer outra coisa que não se enxergue quando falamos. E deixo escapar também que sou fã até hoje das eleitoras do Aécio.

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Conversando com Cazuza


Cazuza, eu e ela vamos tentar ficar amigos sem rancor. A emoção não acabou. Na verdade só está começando conforme os batudes - que não existem em baladas - da nossa música. Aquela, lembra? Ela tocava e não tinha como sentir dor alguma. Tudo ficava anestesiado quando tilintava na parede da alma a nossa música. O beija-flor parava bem na frente e como um padre pedia que eu beijasse a noiva. Não há codinome. Somos eu e ela. Meu caro Cazuza, você até falava bem de amor mas errava no rancor. Além de tentarmos ficar amigos sem rancor, da emoção não ter acabado, voltamos. E é nessa em que acertas em cheio. Amamos o bom do amor.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Anciões

- Eu te trocarei por duas de vinte ou uma de trinta com cara de vinte e cinco.
- E eu te trocarei por um carro do ano, mesmo que seja nacional.
- Cavalo velho quer é grama nova.
- Panela velha é que faz comida boa.
- Eles querem experiência.
- Engraçado, elas também.
- Estamos concordados então.
- Pronto. Agora apague a luz e vamos pra cama logo que as crianças podem acordar.

sábado, fevereiro 23, 2008

O Cartão

O rapaz chega na casa de massagem:
- Olá, tudo bem? - todo sorridente como se sorriso fosse sinônimo de virilidade.
No que a atendente já acostumada com a maledicência das pessoas responde.
- Sim. O que o senhor deseja?
- Desejo prazer.
- Está no lugar certo.
- E quanto é?
- Temos de tudo. Temos para as classes A, B e C. Temos até para as subclasses. Temos até, veja só, pra quem nem tem classe alguma.
- Quero saber da elite.
- Temos uma massagem de uma asiática que faz movimentos que até caboclo duvida.
- Tudo bem. Estou com um pouco de pressa. Meia hora sai por quanto?
- R$4.589,00.
- Salgado. Mas, tudo bem. Deve ser das boas. Você aceita cartão?
- Qual bandeira?
- Sei lá. É corporativo.
- Não aceitamos não.
- Porquê? É do governo!
- Justamente. Não é confiável. Nem puta merece isso.
- E como eu fico?
- O senhor fica na mão, literalmente.

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Ê Matilde

Enquanto espero nesse ponto de ônibus transpareço os pensamentos para que pairem perto de ti, que me espera já atordoada, e te faça menos angustiada. Sei que desde o dia do Absyntho eu, desculpe a empáfia, te sinto o que me menos sinto. A sua distância rasga-me a tranquilidade. Sou um penduricalho prestes a cair em desuso. Pelos meus atrasos você me quer menos. E estou cá, neste ponto de ônibus a vinte e sete minutos esperando o dito cujo. Já perdi chances. E nem os míseros dez reais que escondo no bolso de trás da calça conseguiriam me guiar de táxi até você. Vou dizendo meus segredos para essa poça do meu lado, no olhar de cada branco e pálido e negro e índio que aparecem e somem e suas conduções. Tem gente que avisa que quando não é, realmente não dá certo.
- Oi? Demorei?
- Ahm?
- Estou aqui, conforme marcado. No ponto do 551, ao lado do Delícias da Vida. Não pode ter esquecido novamente.
- Ah, sim. Não. É claro que não esqueci. Estava te esperando.

domingo, fevereiro 17, 2008

Roberval

Foi quando eu senti o clima meio diferente. Meio, não. Totalmente diferente. Sabe aqueles dias em que as sensações parecem incomum com tudo que já foi vivido? Foi um dia assim. E eu tremi e disfarcei. Ela reparou. Não notei, pela primeira vez nela, nervosismo. Veio até mim.
- Nossa! Quanto tempo, não?
- Oi, morena. Põe é tempo nisso. Desde...
- Fazem onze anos. E você sempre ruim com datas.
- E você sempre deslumbrante com as datas.
- Com as datas?
- Tire as datas da frase.
- Roberval, Roberval.
- Como começou?
- Com um desespero quando daquele incêndio na estação das barcas.
- E como continuou?
- Não nos vimos mais. Um beijo, uma noite terminada no Motel e nada mais.
- E como fica?
- Como fica?
- Eu não esqueci de você, morena. Vamos ficar juntos.
Um ladrão nato sabe a hora do assalto. Roubei mesmo um beijo. A polícia e a ética. Tudo chegou ao mesmo tempo. Acho que foi uma duração incontável. Milésimos de segundo. Reação súbita.
- Seu idiota!
- Mas...
Um tapa na cara igualzinho quando nos conhecemos no incêndio na estação das barcas.

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Guga

Um cara que sofreu revés e tentou até o fim voltar a jogar o bom nível do seu tênis. Um grande exemplo como profissional e ídolo. Eu chorei quando ele disse: "não é que eu não queria jogar mais. É que eu não consigo mais."

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Dia sem horas

Não me faça perguntas
Estou num dia sem respostas
Não me peça soluções
Nem pra mim eu as tenho.
Mas vamos sorrir
Tudo é muito relativo e inesperado
Amanha pode ser um novo e ótimo dia.
Um dia típico de primavera
De sol, flores e borboletas
E como assim quero!
Hoje foi apenas um dia sem horas
Sem sentido.
Isso, apenas um dia.
A excessão.

(Thiago Kuerques - 07/11/06)

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Minha história de carnaval

A lembrança mais vaga que tenho de carnaval está numa foto em que eu tinha uns três anos vestido de índio com penas laranjas meio desbotadas quase rosas. Será esse o trauma? Não, não mesmo. Vivenciando de fato me recordo de um carnaval lá pelos anos noventa e pouco. As famílias da baixada - quando podiam - viajavam para a Costa Verde (Muriqui, Itacuruça, Mangaratiba, Sahy) ou para Região dos Lagos (Arraial do Cabo, Cabo Frio, Rio das Ostras).
Era um chevette marrom-claro em que íamos amontoados junto do meu irmão, dos travesseiros, sacolas de tudo perecível, não-perecível, ventiladores e televisão. Pegávamos a Dutra, a rodovia mesmo, depois a Avenida Brasil (sou da época que não existia nem Linha Vermelha, nem Amarela, muito menos azul em degradê). Depois era a Ponte Rio-Niterói, engarrafamento, Manilha, Serra, sei lá o quê. Eram sempre mais de três horas para um oasis nem tão bom assim. Em São Pedro D´aldeia foi mais ou menos assim. Estava muito bom porque nos últimos anos íamos de ônibus. Época em que meus pais ainda eram casados. A diversão para mim, criança muito quieta, era o dia, a praia. Para os adultos era a noite. Numa daquelas noites vi uma noiva entrando em casa. Levantei fortuito. Minha mãe foi na frente sem que me percebesse. Uma noiva estapefada, rasgada e alcoolizada. Danei a perguntar já aceitando a verdade:
- Mãe, papai virou mulher?

quinta-feira, janeiro 31, 2008

Tito e Nôninha

- Tito, tito...
- Que foi?
- Sai da frente da tv.
- Tudo bem.

Ele senta ao lado dela. Disfarça. Arranha a garganta, tosse, esfrega a poltrona. Começa a fazer carícias nela.

- Nôninha, deixa esse jogo de lado. Vamos lá dentro que te mostro o campeonato pegando fogo.
- To vendo o jogo, Tito.

O homem vai para o quarto, pega uns pesos e malha por vinte minutos. O corpo fica convidativo (foi uma definição que ela mesma tivera dado antes para o corpo dele de musculos normais, suados e atiçados). Voltou para sala. Abraçou-a, beijou seu pescoço, parou na frente de tv de calça jeans, apenas ela.

- Titão, sai daí.
- Poxa, amor. Você sempre me troca por esse jogo aí. Nunca ví isso. Você tem que gostar de coisas femininas. Eu mesmo, que sou homem, não gosto de futebol.
- O que você quer, meu moreno?
- Atenção, carinho, amor...
- Tá carente é?
- Tô carente de você. - e faz aquela cara de cachorro com frio
- E não tem isso?
- Agora não to tendo. Quero mais romance, amor.
- Quer romance? Vai comprar um livro.

segunda-feira, janeiro 28, 2008

Coisas

Poc poc poc
- O que é isso?
Cof cof cof
- O que tá fazendo?
Snif snif snif
- O que é?
Crash crash
- Tem como voce me dar atenção?
Xiu xiu
- Xiu é o ca...
- Testando Onomatopéias. O nosso autor deve tê-las escrito muito bem.

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Crônica do filho de amanhã

- Você não é de nada.
- Sou de tudo sim, tá?
- Só porque carrega esse I-pod gigante?
- Isso é um walk-man.
- E só porque fica guardando CD gigante?
- Isso é vinil.
- Você tem barba e joga uma espuma pra tirar com um metalzinho.
- Para barbear nada melhor que uma navalha.
- Você usa canetas!
- Mas já aprendi a digitar.
- Seu celular não tem nada mais que telefone.
- Celular é telefone móvel. E só.
- Pelo menos uma câmera...
- Detesto.
- Por falar em câmera. Poxa vida, ainda usa filmes, câmeras analógicas, das que revelam fotos ainda. Ainda tem gente que revela isso?
- É verdade que essa nem do meu tempo é. Mas eu gosto.
- Você é engraçado. E anda descalço.
- Sou livre, po.
- Vai ficar doente assim. Tem medo não?
- Não morrerei disso.
- Mas vai morrer de câncer com esses charutos aí.
- Só lá pra frente.
- Ai ai. Cinto na barriga. Nem separa o lixo, nem os recicláveis. Plantaçãozinha de pimenta e tomate no fundo da varanda.
- Você realmente acha estranhas essas coisas?
- Acho. E acho muito. E ainda canta Babado Novo...
- Era uma época boa.
- Devia ser mesmo.
- Deixa de ser irônico, menino.
- Você é engraçado. Aquelas tuas fotos...
- Melhor não falar mais nada. Somos de mundos diferentes, meu filho.
- Pai, você realmente tem umas coisas e manias muito esquisitas.
- Somos de outras e tantas gerações.
- Seus primos, meus primos, minhas avós, minha mãe, minha bisavó, no caso, sua tataravô...
- Tenho a impressão de que tem gente que nem é de geração alguma.
- Meu filho, isso já é outra história.

quarta-feira, janeiro 23, 2008

Os sonos terríveis

Nas últimas duas semanas acordo no meio da noite. Às vezes se sente um pesadelo, mas por todas essas não sinto isso. Sinto apenas tensão. Uma inquietação absurda. Sempre às duas, três da manhã. Apenas um despertar para voltar ao sono depois. Mas neste último eu tive um pesadelo. Por épocas sonho que levei um tiro nas costas, sempre nela. O pesadelo de agora fora ainda mais estranho. Nele eu caminhava pelo corredor da casa onde morei na infância - a qual eu não visito a mais de cinco anos - e ao passar por um espelho pendurado na parede da sala de jantar - espelho que por sua vez nunca existiu - e eu me via aparentemente normal. Olhos normais, nariz, pele, tudo normal. A boca é que parecia congelada, ressecada, morta. Eu me mezia e apenas a boca não mudava. Olhava mais de perto, os dentes pareciam podres, os lábios meio quebrados. Eu mexia mais e nada mudava no espelho. Eu sorria bem largo, bem reluzente e no espelho nada mudava. Foi nesse desespero que acordei. Ainda confio que acordei do pesadelo do sono para viver no sonho que é a vida. Dormir tem sido terrível.

sexta-feira, janeiro 18, 2008

Eram dez e vinte e sete da sexta-feira dezoito hoje do mês corrente

Tá legal. Foi sufocando aquele sufoco casual. O peito foi queimando aquela mesma fogueira. Foi tremendo absurdamente as pernas, mãos e músculos do braço. Os olhos recorreram às lágrimas para fazer valer o amor que sinto. Que tem? Lágrimas não a trazem aqui, não falam alto, não são atestado algum de sinceridade. Andava misturado àquelas ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro eu e aquelas luzes amareladas e enfadonhas. Tivesse um padre ali eu noivava daquela luz tamanha a sua perseguição. E nisso, umas oito da noite, quis porque quis ligar para ela, resolver aquilo. Sou covarde. E quem disse que meu carro pegou? Nem no tranco. Nem na reza. Impaciente peguei o 100 para casa. Praça XV, mergulhão, rodrigues alves, perimetral, ponte Rio-Niterói, esse negro, Isabela, o mar, um casal à beira do mar, o céu, ela novamente. Meus pensamentos beiram ela, sempre. Saltei do ônibus fingindo taquicardia. Tive um surto. Fui à Tijuca atrás dela. De ônibus, claro.
Bati ao número 55. Era uma daquelas casinhas antigas, com varanda e potãozinho. Este, entreaberto. Entrei. Caminhei dois metros e vi a janela aberta deixando fugir uma luz. Esquece. Não, não esquece. Era meia luz. Uma cama, umas sombras, uma mulher sentada em cima de um homem deitado. Tive comigo, era ela e o paulista. Fugi.
Nem sei onde fui parar. Dei conta que eram dez e vinte e sete da sexta-feira dezoito do mês de janeiro mesmo. Era ano de dois mil e oito. Recordo de tudo em detalhes. Ao menos dos principais. Voltei para niterói no mesmo 100 com o mesmo trocador duvidoso, com o mesmo morotorista louco. Perguntaram da taquicardia. Chamei-a de Isacardia. Os ignorantes acreditaram.
Morava ali mesmo no Benfica, um bairro nobre da vizinha nobre do Rio de Janeiro. A rua era um pouco escura. Mas naquele dezoito de janeiro estava completamente escura exceto um brilho distinto lá pelo número 303, ao lado da padaria do Alceu. Meu caro leitor, eu moro à essa rua na altura do 303. Poderia ser cansaço, loucura ou coisa igual. O amor tem dessas. O desamor tem dessas piores. Estava sangrando com a cena anterior. Subi aos poucos os olhos. Era um vestido amarronzado tremulando a uma brisa leve. Uma gota também leve molhou o dedo segundo do pé dela. Sim, uma mulher.
- Terminamos.
- Isabela?
- Ele aproveitou a desconfiança e se desfez.
- Que se dane o paulista. Vamos ficar pelo rio mesmo. Posso?
- Pode o quê?
- Eu não quero ouvir mais nada.
- Então não tenho mais o que fazer.
À meia-noite, passagem do dia dezoito para o dia dezenove, depois de saber que não era ela na cena avistada - era a irmã com o respectivo namorado, um mineiro - usei a mão dela de travesseiro. O dia que não acabou.

quarta-feira, janeiro 16, 2008

Era meio-dia e dezesseis da sexta-feira dezoito de sei lá que mês

Meu inimigo número um reapareceu. Não que tivesse sumido. Mas resolveu aparecer nos seus mais inspirados momentos de vilania. Não entendo porque hoje, exatamente hoje, ela acordou das profundezas do que eu julgava morno. Claro que pensava nela. Mas hoje fervilhou tudo. Coração canalha. É um jogo de paciência. Meu coração em conluio com a cabeça, inimiga cruel, vai saturando a minha normalidade. Primeiro vem o nome. Depois as lembranças. E como numa encenação de Shakespeare o último ato, a depressão, a tragédia.
Almoço. Fui degustar da minha mais digna hora do dia. Essa coisa de trabalhar com pediatria cansa mesmo. Mesmo que eu seja um mecânico dos veículos bem arrumados. Mesmo que eu sempre esteja completamente esquecido no quintal fedido do Hotel torto que nem lembro o nome também lá perto do Forte de Copacabana, sou gente e mereço comer. Eram minutos após o meio-dia. Deixe-me ver ao celular. Sim, eram meio-dia e dezesseis da sexta-feira dezoito de sei lá que mês que eu caminhava ligeiro e tumultuado pela Rua Tonelero na altura de um prédio estranho – todos por ali o são. As pedras portuguesas são a cara do Rio de Janeiro. E são também a tortura dos meus pés. Pisei torto em uma delas, um buraco onde não havia a pedrinha dita. Sambei pelas bandas em frente ao self-service bonitinho e ordinário. Dei com as ancas num ferro à beira da calçada e beijei o chão. Nada que deixasse marcas a não ser a gargalhada do Almir.
- Machucou?
Não respondi. Juro que sou uma pessoa calma depois de ter deixado um rapaz três dias no CTI por ter me olhado diferente.
A mais viajada não devia estar em casa. Nem que fosse de prazer, uma excitação que me fere só de imaginar numa tórrida cena de sexo que meus olhos não verão jamais com o meu rival. Meu caro leitor, minha pior tortura é imaginá-la com ele. Pior que não tê-la é imaginá-la com outro. Pedi um filé de frango, arroz, farofa e uma coca-cola. O arroz estava ruim, grudento, cinzento. A farofa tinha aqueles pedaços de ovo e umas coisas indefectíveis. E o filé estava realmente bom. Nem tanto para me fazer vibrar. Era então o celular. Piscava na tela Isabela Casa.
- Você me ligou? Aliás, foi você que passou trote para minha casa de manhã cedo?
- Foi e não foi. Isabela. Tudo bem? Eu até liguei pra sua casa mas não tive coragem de falar e desliguei. Como soube?
- Meu celular tem um serviço de avisar quem ligou quando desligado. Apareceu seu número.
Ela desligou o telefone. Liguei novamente.
- Eu só queria dizer que não te esqueci ainda. Que você foi a coisa mais importante que me aconteceu nos últimos tempos. Que eu choro pelas circunstâncias. Queria dizer apenas que já, novamente ou ainda te amo.
- Quem é você, meu?
Eu desliguei dessa vez. Agora ele sabe. Agora ela sabe. Agora ele sabe que alguém a ama. Agora ela sabe que se houver algo, serei eu. Agora todo mundo sabe. E quem não sabia de nada era eu. Já tinha terminado a refeição. Paguei no crédito. Minto, foi no débito. Eles não aceitam crédito. Morreram esses R$18,60 que na conta do mês que vem demorarei três minutos para recordar. Isabela havia me ligado e nossa situação – que não existia, sumida que só – havia piorado. Estava naquele dilema. Ser ou não ser? É meu querido Shakespeare – olha ele aí novamente -, ser e não ser é ser e não ser ao mesmo tempo.

domingo, janeiro 13, 2008

Eram seis e trinta e dois da manhã da sexta-feira dezoito de sei lá que mês

- Alô?
- .
- Alô?
- .
- Qual foi, mano? Vai passar trote pra tua..
- Tu, tu, tu, tu..
Não me controlei. Não parei de lembrar da boca fina de Isabela. Sei lá se ela era ou não culpada por ter traído o namorado. Sei que não era qualquer uma. Era uma mulher nunca antes vista. Não à toa fez moradia na mente, no peito, na boca. Eram seis e trinta e dois da manhã da sexta-feira dezoito de sei lá que mês ainda e disquei o celular dela novamente. Havia feito a rotina de sempre. Depois do banho fazia o velho ritual. Primeiro a meia preta. Depois a blusa do uniforme da empresa. De blusa e meia eu ficava numa cena ridículamente engraçada. Depois vinha a calça e por último - óbvio - o sapato. Apago todas as luzes, ataco a chave do carro, saio ao portão, dou uma olhada no dia, se chuva, se cinza, se claro, se enganador, abro para fora o portão daqueles onde os ferros fazem desenhos oblíquos, tiro o carro como sempre quase batendo no poste e vou. Maldito de quem pôs aquele poste ali. Não sou mal motorista apesar do meu amigo me chamar de "maltorista".
Tinha bela no nome. Se não tivesse seria feio. Às vezes acho ruim. Parece que só tem para confirmar. Não é necessário. Até se fosse Georgina seria linda. Pus Leaving On A Jet Plane, Chantal Kreviazuk da Trilha sonora de Armageddon no tocador de mp3. Naquela maldita Via que nada tem de Light engarrrafei tudo. Engarrafei carro, paciência e pensamentos. Isabela, Isabela, mil vezes Isabela. Mas fora somente uma. Aquele beijo. No alto da solterisse dos meus trita e dois anos ainda me dou ao luxo de me apaixonar assim, caipira, adolescente, um beijo de moça comprometida. Parado no trânsito liguei para o celular que novamente deu desligado. Liguei para casa dela. Não tinha nenhuma desculpa. O paulista atendeu. Desliguei.
Maldita sorte a dele. Chegou primeiro e nem sequer perguntou se podia. Me desculpe, meu caro leitor. Todo "outro" acha o "outro" o pior dos inimigos. Eu que o era. Não telefonei mais. Eu era o outro. Eu que adentrava em outros mares. O céu estava mesmo impróprio para tão altos vôos e eu mesmo assim voei. Canalha mesmo era eu. Foda-se. Foi num dia que tomávamos suco de pêssego ao leite que ela me perguntou se eu preferia bicicleta a carro importado. E eu respondi para irmos à pé mesmo. Os dois rimos. E nos apaixonamos.
O trânsito andou. O carro, Fiat 77, morreu. Enganei. Era um Fiesta 96 mesmo. É que sempre achei Fiat 77 bem poético. Só que morrer o carro nessas circunstâncias - nem em circunstância nenhuma - tem graça. Fechei os olhos. Fui para desligar o rádio e começou a tocar Ratatuia, Zeca Pagodinho. Passou um carro e o motorista gritou "Vacilou". O rec rec ligou o motor. Fui trabalhar me culpando e achando o paulista ainda mais sortudo e boa pessoa. Afinal, ela está com ele e não deve ser à toa. Não ligo mais e esses seis meses que não mais nos falamos devem tê-la esquecido de mim.

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Eram cinco e cinqüenta e cinco da manhã da sexta-feira dezoito de sei lá que mês

O despertador é meu inimigo número dois. O número um é a cabeça. Ando com o corpo tão cansado que a cabeça nem tenta funcionar. Ou, ao contrário, funciona por conta própria. Este fora o mais exausto dos sonos. Tantas e tantas roupas ao chão. Um prato em cima da cômoda. Um gato passeando pela janela. Perdi dois minutos. Tudo porque me veio o pescocinho de Isabela.
Resolvi gelar a água. Entrei dando pulos e mais pulos debaixo d'água. Sabonete, mais água. Toalha. Cinco minutos mais. Não tem como não pensar. O amor coexiste. É doença de várias faces. Fosse socióloga houvesse criado a razão para as equações mal resolvidas das nossas vidas. De todas as vidas. Mas não é socióloga, coexiste e me fez perder a hora.
Acho que penso demais nela. Olhos amendoados. Ah, meus suspiros tem dona, nome e sobrenome. Isabela de não sei o quê. A mais viajada. A pombinha que não voltou ainda. A comandante de um vôo absurdo e distante. Eu te amo.
Já era hora de sair. O elegante caminhar disfarça a inquietação. Eram cinco e cinqüenta e cinco da manhã da sexta-feira dezoito de sei lá que mês. Fui relembrando das coisas abusando de uma memória fracote. Lembro de quando um amigo foi internado. Era meu amigo. Isabela nem o conhecia. Sofreu o meu sofrimento. Mesmo não podendo. E quando ele recuperou-se satisfez comigo, se satisfez com a minha satisfação. Quando ela adoece eu sofro o sofrimento dela. E quando ela alegra fico só sorrisos no meio do mais quente dos infernos. Pode ser que não me ame. Mas não é sentimento efêmero. Um dia, lindo dia, beijou meu beijo. Não foi sem querer mas foi sem querer e foi sem querer, por querer assim sem querer. Ia acontecer. Não rejeitamos. E foi o melhor de todos.
Agora, cinco e cinqüenta e sete da manhã eu te ligo. Não quero sair de casa sem saber de você. Pena o seu celular estar desligado e eu não poder ligar para a sua casa. Vai que dou de encontro com a voz paulistana e sortuda do seu namorado?

sexta-feira, janeiro 04, 2008

Profissão Jaime

- Tia Crisimara, de repente seremos assaltados bem aqui neste ponto de ônibus.
- De repente eu bato na sua boca pra parar de falar besteira. Detesto a sua mania de advinhar tragédias. Só de falar, atrai. Sabia? Criança tem que falar de coisas de criança.
- Desculpa Tia.
- Olá, com licença. Tudo bem?
- Oi moço, tudo sim.
- Desculpe o incômodo mas eu estou querendo assaltar vocês.
- Nos assaltar?
- É. Penso que gritos e intimidação não são necessários.
- Faz sentido. E o que quer assaltar? Tenho nada.
- Se não tem nada. Tudo bem. Mas a senhora poderia levar em conta a minha educação.
- Tudo bem. Tudo bem. Tenho cinco reais, um celular, uma câmera fotográfica e esta minha carteira aqui. A criança só tem o boneco do Buz Lighthear.
- Então me passa tudo.
- Tudo bem. Aliás, posso ficar com os documentos?
- Ah, pode sim. Não usarei mesmo. Chega de cartão de crédito. Mais, não.
- Você é muito gentil. Não querendo abusar muito mas posso ficar com os cinco reais? É o dinheiro do ônibus.
- Fique.
- Obrigado. Escute. Me sinto até um pouco honrada em ser assaltada pelo senhor...
- Jaime, ao seu dispor.
- Sim, Jaime. Crisimara, muito prazer.
- Então. A Senhora tem pilha na câmera?
- Tenho sim.
- Desculpe a ousadia, mas podemos tirar uma foto?
- Sim, claro. Juninho tire a nossa foto. Anda.
- ...
- Nossa como você é fotogênica.
- Que isso, você que é. Até que pra um assaltante você não é tão mal. Até leva jeito.
- Obrigado. Estudei muito pra isso.
- Então. Então. Acabou o assalto?
- Pois é. Coisas boas duram pouco. Pode me dar seu telefone ou MSN?
- Estranho isso.
- O quê? Acha-me estranho?
- Não. Você é agradável. Sua profissão que não combina com a sua doçura.
- Eu penso em mudar de vida. Só não sei ainda as opções.
- Você é educado, tem poder de persuasão e sabe ganhar dinheiro fácil usurpando dos outros. Que tal uma profissão condizente?
- Obrigado pelos elogios. E ainda me chamou de fotogênico, agradável e doce. Não sei se estou ultrapassando as barreiras, mas gostaria de sair comigo?
- Deus do céu, o que estou fazendo?
- Se não quiser...
- Sim. Aceito.
- Então. Vamos. Mas qual era a profissão que ia falar mesmo?
- Político.
- Boa idéia.