domingo, julho 27, 2008

Romance da meia entrada - Parte III (Final)

Sempre morei no mesmo lugar, na mesma rua, com a mesma proximidade pacata da roça. Sempre passava uma carroça levando palha bem sequinha de um lado para o outro. E era a única coisa de roça, na verdade. Era o mesmo instante da carroça o instante de buzinas. Afinal, morar no centro da cidade é estar disposto a ficar perto de tudo que a modernidade oferece - de bom, de muito bom e de extremamente ruim. Rua Paraibinha, n°303, Soltão, Felicitança.
Já eu, sempre tive boa memória. Este que agora vos fala, contrariando as tendências masculinas, sempre lembrou das datas importantes e até das menos importantes. Senhores, senhores. Conto sim o que aconteceu. Encontrei uma branquinha desmaiada. Não uma branquinha. A branquinha que a meia vida vive longe, que a meia rua está longe, que a meio metro estava de mim com inteiras lágrimas e meio desacordada, à meia luz, um abraço inteiro como um meio beijo. Acho que ela fez de sacanagem. Pressão baixa, eu disse. Peguei-a no colo, reconheci todas as covinhas, todas as curvas dos lábios e até o antigo perfume. Quando cheguei perto da enfermaria ela começara a acordar. Piscava lentamente, formigando meu peito. O cinema havia ficado lá, finalzinho do filme. Um homem muito bem apessoado, olhos vivos, elegante e simples, agradeceu na suave voz.
Até hoje eu tenho uma enorme sensação de que o perfume da minha blusa era dele mesmo, que me carregou como só uma pessoa havia me carregado na vida. Até acho que aquele topete que teve o topete de me carregar era dele. Mas não sei não.
Até hoje eu fico com o fim daquele filme na cabeça. Li na internet. É, óbvio, o casal revolucionou a relação das duas cidades. Só ficaram os nomes, Cidade Silente e Cidade da Música Encantada. As duas musicavam, as duas silenciavam, as duas se tornaram apenas cidades. E, além do bom, terminaram juntos. Só outro dia que fui ver a mesma história da bailarina transposta ao teatro. A Atriz principal? A branquinha da meia vida, dessa vez meio branca apenas, inteiramente talentosa. Fui sorteado para visitar o camarim. Ela estava apenas de meia, meia-calça e disse que sempre me amou por inteiro como por inteiro amei-a. O que que fazíamos separados? Não sei. Talvez seja a vida apenas um jogo de meias verdades.

4 comentários:

Anônimo disse...

Tão linda historia, que ganhou telas, palcos, e até blogs =P

Beijos!

Critical Watcher disse...

Hummm...
Muito bom isso!
Eu não vinha aqui faz tempo, mas confesso que foi super prazeroso ler a história por completo.
Imagina os leitores assíduos de seu blog como ficaram na curiosidade, esperando pela parte II e III!

A história é brilhante.
Abraços.

Anônimo disse...

Adorei o final feliz.
Tem que ser sempre assim.
SEMPRE! =]

BEijinhos

Cinthia Pascueto disse...

Linda, linda, toda a história.

Saudade que estava desse espaço aqui.

Re

nova.

Sempre.

Beijo.