quarta-feira, janeiro 20, 2010

Conto do violão surrado - Parte I

O dindin dondon daquele violão preto, surrado, cuja marca ninguém nem mais sabe o nome era antigo. O moleque já fazia das suas por ali aos quatorze anos. Mesma época que morava na quarta rua à direita depois da praça da Mirandela, em Nilópolis. E mesma época que estudava no Colégio Nilopolitano, apaixonando-se por cada risadinha de menina diferente. Apaixonado, diga-se de passagem, só para ele e com ele. Nada de declarações. Aline era sua melhor amiga, vizinha e companheira de sapecas histórias. Aos dezesseis anos beijou a primeira menina enquanto Aline começava um namoro com um menino mais velho. Aos dezessete ele quis votar para presidente, perdeu a virgindade com uma colega e ganhou o primeiro campeonato de xadrez. Aline também perdeu a virgindade e começou a levar mais a sério o sonho de ser cantora. Aos vinte ele já havia se mudado para Jacarepaguá e ela, pra rua de trás. Ela estava noiva do segundo namorado. Ele noivo da sétima namorada. Ela pintou os cabelos de preto (e era ruiva natural). Ele já havia mudado de emprego seis vezes, comprou e vendeu dois carros e tirou pedras nos rins. Ela tomava remédios para diabetes, tão nova.
Aos vinte e três se cruzaram. Ela contou das novidades. Ele lembrou da época que eram felizes. Ela concordou. Não eram felizes. Beberam taças de vinho. Ela começou a tocar violão no bar onde estavam, em Campo Grande, bairro do Rio. Estavam no mesmo fim de mundo: recém-separados. Ela por ter sido traída. Ele por ter traído. Enquanto ela embaralhava suavemente canções de Ana Carolina, Belchior, Caetano, Ivan Lins, Ivete Sangalo, Lulu Santos, Jovelina Pérola Negra e Pixinguinha, o moleque crescido a amava. Amava como fazia com as meninas no colégio, mas amava como um graduado na faculdade adulta. Nao amou ali. Resgatou uma verdade. Sempre amou.
E, no intervalo, ele resmungou no meio da imensidão de barulhos que descobrira o que os ligava tanto. Descobriu o invisível teimoso que unia os dois. Descobriu o amor. "Não te ouço. Mas depois você me conta. Eu tenho que saber o que ele - dizia apontando para o rapaz branco e forte do outro lado do salão - quer comigo". "Mas, ele? Quem é?". "Não sei. Vou saber agora. Fui". "Mas eu... te amo".
Em pouco mais de quinze minutos eles se beijaram. Eles, meu amigo leitor, o estranho e Aline. E, quando voltavam, ele dirigia o carro Palio 97 e ela contava do novo. "Ele é músico".
Decidiu, então, retomar o dindin dondon do violão preto dos seus quatorze anos só para ser o músico da vida dela. A partir de agora seria assim.

4 comentários:

Letícia disse...

Porque no carro ele não tentou falar pra ela o que lá dentro ela não ouviu? Válido tentar ser o músico da vida dela, depois de taaanto tempo, será que ainda dá tempo? Não sei muito dela, mas não sei se quero, pq ele não presta, traiu a última, e era noiva rsrs =P Beijo!

Bia disse...

O texto está ótimo, como sempre!
Esperando a segunda parte...!

E agora você já pode ir dormirr...rs

Beijo,

Tábita disse...

Bom texto, me fez lembrar uma história..apenas pela questão do reencontro!..Aí, expectativas..rs

Bia disse...

Poo...por qnt tempo vc quer q eu fique esperando hein?