terça-feira, fevereiro 02, 2010

Orgie

Terminei o meu discurso e todo mundo começou a se beijar. Primeiro todos entreolharam-se suavemente violentos. Gelidamente fogosos. Sabiamente simpáticos. E começaram, assim mesmo como você imagina, sem cerimônia nenhuma, a se beijar. E era flor beijando espinho. Era espiga beijando o milho. Negra beijando sapo. Nerd beijando tela. Ela beijando ela, vê se pode.
Foi só dar o aval que ninguém mais fez mal. Foi o bem beijando o nenem. A atenção beijando o aquém. O pobre beijando notas e notas de cem. E nem vem, tristeza, que aqui não tem.
Abaixei os olhos em pormenores. E, olha aqui eu beijando o microfone, beijando a carta sem nome e beijando o rosto da mulher que estava chorando sem homem. O dedo beijando o mi sustenido. O relógio de bem com o tempo. O dente beijando a lingua, a lingua beijando os lábios, e os lábios beijando os seus lábios. O príncipe beijando o cavalo branco. E o branco beijando os olhos quando olho pro céu assim que do breu saio.
Não acredito. É o Lula beijando o Sarney ali na primeira fila? É o Eurico beijando o escudo do Flamengo? O assaltante beijando o juiz? O assaltado beijando o próprio nariz? A criança beijando suas próprias agulhas? O Serra beijando Aécio que beijou Dilma que beijou Marina. É o Haiti beijando a sorte? É o mendigo beijando o Porche? A pedófila beijando o coroa? Os olímpicos beijando o Rio de Janeiro? O hipócrita beijando a consciência? Não é conscidência que o Brasil beije devagarzinho a face do progresso.
A médica linda beijando a carreira. O mecânico de branco beijando a riqueza. O ator beijando o desenho animado. O tranbiqueiro desanimado beijando o juízo afiado. O apostador beijando a falta de ousadia; o magnata beijando a sua tia; o delegado mandando beijo pra quem fugia; o palhaço beijando a lágrima de quem se ria.
Depois disso tudo corri a beijar também. Beijei a diferença no meio dos normais; beijei os maiores pecados do meu pai; beijei a irmã da irmã da cunhada; beijei depois do banho dela a toalha molhada; beijei o salgado no meio da cocada; beijei até a graça no meio da piada; beijei a insensatez pela primeira vez; beijei o meu pé depois de velho; beijei uma raspinha da dividida; beijei a calcinha da amiga na frente da própria; só não beijei a danada da apaixonada. Mas me beijaram o pescoço, o esposo, o tesouro, o bondoso, o horroroso, o teimoso. Me beijaram a face, devagar, extendendo o tempo, esticando a mão, fechando os olhos, recordando você. Vá entender.

6 comentários:

Bia disse...

E que se beijem...!

Leticia disse...

Gostoso de ler =) Igual beijo bem dado.

Anônimo disse...

kkkkkkkkkkkkkkk
muito bom! Realmente muito bom texto.E sem duvida uma boa ideia que todos se beijem.
Adorei!

Unknown disse...

Adorei, muito bom mesmo.
Posso dizer que é animador.
viva ao beijo!

aninha disse...

Muito bom. Muito bom mesmo. E melhor ainda é te ver inspirado. Gostei.
Ah, ve se não esquece.. Eu te amo.

Vitor disse...

Seria legal se o carnaval foi assim. Ao menos em tese ele seria.