Terminei o meu discurso e todo mundo começou a se beijar. Primeiro todos entreolharam-se suavemente violentos. Gelidamente fogosos. Sabiamente simpáticos. E começaram, assim mesmo como você imagina, sem cerimônia nenhuma, a se beijar. E era flor beijando espinho. Era espiga beijando o milho. Negra beijando sapo. Nerd beijando tela. Ela beijando ela, vê se pode.
Foi só dar o aval que ninguém mais fez mal. Foi o bem beijando o nenem. A atenção beijando o aquém. O pobre beijando notas e notas de cem. E nem vem, tristeza, que aqui não tem.
Abaixei os olhos em pormenores. E, olha aqui eu beijando o microfone, beijando a carta sem nome e beijando o rosto da mulher que estava chorando sem homem. O dedo beijando o mi sustenido. O relógio de bem com o tempo. O dente beijando a lingua, a lingua beijando os lábios, e os lábios beijando os seus lábios. O príncipe beijando o cavalo branco. E o branco beijando os olhos quando olho pro céu assim que do breu saio.
Não acredito. É o Lula beijando o Sarney ali na primeira fila? É o Eurico beijando o escudo do Flamengo? O assaltante beijando o juiz? O assaltado beijando o próprio nariz? A criança beijando suas próprias agulhas? O Serra beijando Aécio que beijou Dilma que beijou Marina. É o Haiti beijando a sorte? É o mendigo beijando o Porche? A pedófila beijando o coroa? Os olímpicos beijando o Rio de Janeiro? O hipócrita beijando a consciência? Não é conscidência que o Brasil beije devagarzinho a face do progresso.
A médica linda beijando a carreira. O mecânico de branco beijando a riqueza. O ator beijando o desenho animado. O tranbiqueiro desanimado beijando o juízo afiado. O apostador beijando a falta de ousadia; o magnata beijando a sua tia; o delegado mandando beijo pra quem fugia; o palhaço beijando a lágrima de quem se ria.
Depois disso tudo corri a beijar também. Beijei a diferença no meio dos normais; beijei os maiores pecados do meu pai; beijei a irmã da irmã da cunhada; beijei depois do banho dela a toalha molhada; beijei o salgado no meio da cocada; beijei até a graça no meio da piada; beijei a insensatez pela primeira vez; beijei o meu pé depois de velho; beijei uma raspinha da dividida; beijei a calcinha da amiga na frente da própria; só não beijei a danada da apaixonada. Mas me beijaram o pescoço, o esposo, o tesouro, o bondoso, o horroroso, o teimoso. Me beijaram a face, devagar, extendendo o tempo, esticando a mão, fechando os olhos, recordando você. Vá entender.
6 comentários:
E que se beijem...!
Gostoso de ler =) Igual beijo bem dado.
kkkkkkkkkkkkkkk
muito bom! Realmente muito bom texto.E sem duvida uma boa ideia que todos se beijem.
Adorei!
Adorei, muito bom mesmo.
Posso dizer que é animador.
viva ao beijo!
Muito bom. Muito bom mesmo. E melhor ainda é te ver inspirado. Gostei.
Ah, ve se não esquece.. Eu te amo.
Seria legal se o carnaval foi assim. Ao menos em tese ele seria.
Postar um comentário