sexta-feira, julho 09, 2010

Cartão de Embarque

O raio de sol ofuscou os óculos escuros, batendo enviezado entre o rosto e a lente preta. Mesmo assim respondeu ao asceno. Passou a carteira da mão direita para a esquerda e levantou o braço. Deu tchau também e viu um sorriso contido nela. Aliás, caríssimos, quem era ela? A memória não funcionava. Nenhuma gaveta escondida na cabeça continha uma pasta com uma foto 3X4 daquele rosto.
Quando livrou-se do sol viu que realmente nunca havia visto a mulher. Mas era branca, cabelos ligeiramente anelados, castanhos, vivos e um par de olhos amendoados e maiores que os dele, que eram puxados feito lã antes do tricô.
Carecia de covardia. Era corajoso demais. Não deixou de desafiar a mulher. Insuava mesmo. Não como leão atrás do filé. Parecia a criança fugindo da chuva.
- Topa um suco de uva? - arriscou.
A pergunta surgiu depois de trinta e quatro segundos de deslocamento de onde ele estava até a porta da sala de embarque do Aeroporto Internacional de Manaus. Ela carregava uma bolsa preta de couro fino de tamanho médio, entreaberta, dependurada ao ombro esquerdo, amarrotando a blusa bem levemente insinuando que ela havia acabado de mexer na bolsa e de tão recente não arrumou-se para entrar na sala. Ele deduziu que o embarque ainda esperaria por ela. Talvez uns vinte minutos mais.
- Uma coca-cola? Seu embarque não começou ainda. - insistiu.
- Aceito. Mas a coca-cola cai melhor nesse calor, não? - respondeu a mulher.
Em mais dez segundos até a lanchonete do lugar ele reparou na falta de aliança, nos pés de número 34 ou 35, na cicatriz de dois centímetros abaixo do queixo, na calça um pouco justa e no comprimento da blusa xadrez que indicava que naquele calor uma mulher escondendo a barriga é sinal de insegurança com o próprio corpo. Talvez tivesse o corpo mais bonito que ele já viu mas a mulher devia ter lá suas crises.
- Sou carioca.
- Sou do interior de São Paulo.
- Sou rubro-negro, adoro samba, futebol, churrasco, mapas, músicas antigas, turismo, cidades serranas, promoção de passagem aérea e piadas sem graça alguma.
- Sou corinthiana. O resto eu gosto tanto quanto. Terei filhos, um marido moreno, sou viciada em carinho e gosto muito de sexo, sou protetora, me divirto sozinha e sonho que o turismo será mais que promissor.
- Dizem que sou conselheiro e divertido.
- Dizem que sou amiga e engraçada.
- Dá no mesmo, né?
- É, dá.
E o assunto pouco importava. Ele continuava estudando todos os cantos dela. O perfume era de preço mediano. Ele achava que mulher digna era aquela que nem era tão futil pra gastar mares de dinheiro com essas coisas e nem aquela que nada gastava com isso. Tinha de ser equilibrada. Ela parecia.
- Gosto de ser moreno. É uma cor equilibrada. Entre o negro e o branco.
- Gosto de ser timidamente simpatica. É um equilíbrio entre a euforia e o silêncio.Entreolharam-se no calor do Amazonas. Ela parecia se perguntar quem era ele. Ele, claro, nem queria se perguntar quem era ela.
- Nossa, perdi o meu vôo.
- Talvez eu tenha perdido o meu também. Mas acho que ganhei o dia.
Tudo em volta ficou ferozmente congelado. Batiam com facilidade a casa dos 45ºC graus.
- Com certeza eu não te conheço. - afirmou ela.
- Confundi um asceno.
- Não fez mal. Eu confundiria. Mas, só estava ajeitando a blusa.
- Não precisa justificar. Te dou todo o tempo do mundo pra me deixar em dúvida.

2 comentários:

Bia disse...

Até que enfim atualizou o blog!
Vê se atualiza mais, pq eu gosto de ler!

Beijoo

Ps: E sim. Como de costume, eu gosteeeeei!

Gabrielle disse...

Bonita homenagem! Parabens Thii!