terça-feira, janeiro 18, 2011

O amor e suas anestesias

Pelo tom de cores pairando entre o dourado sem brilho e o cinza bronzeado devia ser Londres mesmo. E é claro que era. O inglês elegante obedecendo praticamente todos os sons das consoantes da sua língua. A década era a de quarenta. Exercite-se mais, meu amigo leigo. A década era de quarenta, pois do século XIX. Mais precisamente, 1842 anos depois de Cristo.
O casal húngaro havia emigrado para a Inglaterra a procura de oportunidades. Encerrava-se a famosa Guerra do Ópio e os ventos uivavam a transição dos tempos para a segunda Revolução Industrial. O progresso estava rondando a cidade. O homem havia estudado alguns conceitos de farmacologia e nada mais. Aos dezenove anos já havia perdido os pais, um em acidente caseiro e a mãe com pneumonia. Com o desespero pediu em casamento a namorada de infância em Taban, periferia de Budapeste. Já em Londres o ar, os costumes e as máquinas mexiam com o casal. As intermináveis horas de trabalho, o sono constante. Mas era Londres. Era a chuvosa e magnífica Londres.
Taban era um distrito charmoso da antiga Budapeste. As árvores acolhiam os casais. O casal mais charmoso do mundo era aquele que partiria logo dali. Ele era o vinho perfeito para o momento que ela queria. Ela era o seio perfeito que na mão dele cabia. O casal dos sonhos de todos. Desculpem-me o clichê mas isso existe sim. O amor é raro. Meu conselho é para que torne-se raro, leitor. O amor é raro e não combina com pessoas comuns.
Certo dia totalmente incerto a mulher perfurou a perna na altura da coxa com uma faca. Acidente doméstico. O homem descobrira somente em casa. A mulher delirava. Sangrava a aproximadamente duas horas, calculou. Sabia que o sangramento poderia a matar. E ela gemia de dor a cada toque dele em sua perna direita. Em um canto do quartinho em que moravam ele guardava algumas coisas de farmácia. Usou um gás hilariante. Ouvira pelas esquinas que um homem usou esse gás em uma pessoa e essa pessoa não sentir dor no local que o gás foi infiltrado. Além do gás jogou um líquido a base de éter. Ausência de sensação (do grego, an + aisthēsis) é a anestesia que o amor causa. Para salvar a mulher que amava inventou a anestesia ali, às 23:54 daquele ano de 1842.

2 comentários:

Gabrielle disse...

Vivendo e aprendendo a história com Thiago Kuerques! Adorei o texto e o toque de romance na históriaa! Parabens Thi! Beijosss

Gabrielle disse...

Vivendo e aprendendo a história com Thiago Kuerques! Adorei o texto e o toque de romance na históriaa! Parabens Thi! Beijosss