terça-feira, março 22, 2011

O desejo em L'Isle-Adam

Aquelas duas bocas já haviam estado mais perto que o impossível. Já foram muito mais que beijos. Até os dedos estavam no meio disso. Ele desenhando os lábios dela entre os beijos. Ela olhando penetrada nos olhos enquanto chupava o dedão dele. Pois então, já estiveram assim. Não estão mais.
L'Isle-Adam, a 32 kilometros de Paris, fazia tocar na esquina da Rua Louvet com a Rua du Martray a deliciosa balada Le Plus Beau Du Quartier. Era uma livraria com café, ou café com literatura. Fazia uma semana que se esbarravam por ali. Sem se falarem. Só trocavam olhares. E eram muitos. Ele fazia MBA em Tecnologia da Informação na cidade. Ela passava três meses de férias aprendendo francês na cidade luz. Até o iraniano dono do lugar sabia que ali tinha brasa. No terceiro dia seguido resolveram se cumprimentar. Quando ele dobrou um dos corredores das grandes prateleiras de livros clássicos a perdeu de vista. Demorou demais. No sexto dia ela reapareceu. Quando ela ia aproximar-se dele um francês entrou na frente. Era charmoso, não há de se negar. Mas era francês. Ela queria agora e de novo um brasileiro. Nada de perder para a França novamente. E o Francês da mesa, em cinco minutos de conversa, quis tornar o ambiente mais leve e brincou com a freguesia brasileira no futebol. Perdeu mais. Nada demais. Ela parecia não cair de graças por eles. No sétimo dia Deus criou o quê? No sétimo dia resolveram conversar. Tremedeira de lá e de cá. Falaram das famílias, dos cães, do amigo de um, da cidade do outro e por fim, como foram parar ali. Se protegeram demais. Despediram-se até segunda ordem.
- Mas é possível sentir saudade e necessidade de alguém assim tão subitamente? Ele deve ter alguém - balbuciava ela depois que virou a esquina.
- Eu me apaixonei agora ou me apaixonei de novo? Ela deve estar namorando, noiva ou casada - reclamou em voz baixa já dentro do ônibus.
E eu, como narrador ávido por desfechos felizes, percebo que irão continuar com a brincadeirinha de esconder os desejos. Afinal, como disse um tal de Zygmunt Bauman, o desejo não deseja a satisfaçao mas, sim, o desejo deseja o desejo.

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