quarta-feira, janeiro 15, 2014

Ajustando a timidez

A sala está vazia do segundo andar desse restaurante simples de comida caseira aqui no centro de São Paulo. Entre muitas mesas vazias considero incomum – apesar de ser corriqueiro – os lugares dos cantos ocupados com uma ou duas pessoas por mesa e as mesas centrais vazias. Vale a mesma regra para as mesas próximas a televisores e portas. Mas não vale para mesas em shows. Se bem que os shows são em pouca ou nenhuma luz na plateia.
Considero na pesquisa realizada por mim mesmo às minhas singelas observações que somos – nós, os tímidos – uma vasta maioria em todos os cantos. Temos absoluto problema em sermos o centro das atenções. Subir ao palco então, nem pensar. E falar em público? Só sob a mira de um revólver – e talvez nem assim. Festas de aniversários incomodam na hora do parabéns. É muito mais confortável observar, estar em silêncio, ver de longe, notar ao invés de ser notado. Os tímidos se reconhecem quando cruzam olhares e desviam com velocidade.  Sofrem crises estomacais com apresentações em grupo, com obrigações da escola, do trabalho e do que mais for. Praia é um martírio. O tímido pode ter corpo perfeito que mesmo assim se sentirá altamente incomodado quando vê alguém o observando. Até o simples fato de andar se torna uma guerra de derrotados.
Os tímidos perdem oportunidades. Deixam de viver histórias. E sempre se arrependem quando a oportunidade passa. A timidez é vizinha de porta da depressão. E não sou eu quem está falando isso. São os fatos. Quem pouco fala muito sofre. É bastante razoável querer sair dessa. Mas, como?
Uma vez tímido sempre tímido. Relato aqui o quanto melhorei. Da escola não tenho amigo algum. Eu não era ruim, nem bom. Eu simplesmente não era. Chegava, estudava, saía. Repetidamente à exaustão de todos os anos. Nas festas a mesma coisa. Nas reuniões de família também. No futebol, no bairro, nas festas juninas, na calçada nas férias. Tem gente que nem conhecia minha voz. Daí, entrei na faculdade e resolvi: vou disfarçar. Comecei a brincar, comecei a me defender. O humor foi minha melhor defesa. Chamar a atenção para outra coisa me permitia estar no meio. Eu não precisava mais ir pro canto ou pro fundo. Se bem que eu sou desafiador. Tímido, me meti a liderar coisas. Apresentava trabalhos fazendo graça. Falava ao telefone no trabalho fingindo estar falando com algum conhecido. Um dia mesmo numa apresentação para quase duzentas pessoas pedi para o técnico de iluminação jogar toda a luz no meu rosto. Não via ninguém. Assim, sozinho vendo tudo branco, fiz a mais desenvolta apresentação da minha vida. Alguns nem acreditam que eu seja tímido.

Afirmo que quase todos somos tímidos. Alguns brincam de serem mal-humorados para se defender. Outros dançam para se defender. Outros cantam, outros jogam, outros ficam sérios, outros fazem discursos, outros se fazem de marrentos, outras de sensuais, outros não fazem nada. Há quem ainda não tenha descoberto a própria defesa.  Eu ainda sou tímido. Mas escrevo, trabalho e falo sacanagens para os amigos. Às vezes ser tímido não é eterno. É apenas questão de ajuste. Ser um tímido melhor foi uma das metas. E, confesso, estou sentado na mesa grudado na parede, longe do centro e da televisão.

Um comentário:

Leticia disse...

É mesmo apenas uma questão de ajuste. Uns dançam pra se defender :)