sexta-feira, junho 09, 2017

NUMA CONTA SIMPLES A GENTE PERCEBE O QUANTO TEMPO PERDE COM ORGULHO

Não é, digamos, daquele tipo de fazer planilhas até para a vida sexual dos animais de estimação. Só que nesse dia resolveu colocar em números o tempo perdido por não ter dado o braço a torcer. Pela primeira vez fez as contas de cabeça mesmo.
Reginaldo tem 52 anos. Sabe que demorará para aposentar. Desses anos tem lembranças a partir do sétimo ano de idade. Põe aí 45 anos de alguma lucidez. Perdeu a foto mais comentada pela família na infância por ter ficado de bico após a mãe recusar a deixar comer brigadeiro antes da hora. Não deu o braço a torcer. Perdeu algumas horas de festa. Perdeu alguns dias, somando as datas especiais de reuniões em família em que comentam sobre a foto. Com a esposa perde, por vez, noites de amor e sexo quando demora a dar o braço a torcer. Somando esse fato corriqueiro desde que começaram a namorar lá pela época de seus 21 anos, caramba, são alguns anos perdidos.
Isso, salvos alguns erros de percurso, pode ser chamado de orgulho. Há, pelo menos, um Reginaldo lendo. Ou um Reginaldo amigo de quem está lendo, ao lado ou ao longe de quem está passando os olhos por essa crônica. Uma pessoa orgulhosa carrega essa fama por onde vai. Variam em tipos e formatos. Conheço o orgulhoso mais disfarçado do mundo: aquela pessoa humilde e amável em quase todas as esferas da vida mas que não sabe, em hipótese alguma, pedir desculpas. Talvez seja por alguma sensação de que pedir desculpas é sentir-se inferior. É um tipo, mesmo travestindo sorrisos de quem pode ter acabado de realizar a missão mais linda do mundo, que procura e acaba encontrando mesmo num erro grande um motivo para se isentar da obrigação de se retratar.
Não há aqui a vilanização do orgulho. Existe uma coloração do orgulho extremamente necessária. É o chamado amor-próprio. Na outra ponta vira arrogância. Mas por qual motivos andamos preferindo tanto a arrogância? Ninguém recua. Cada vez menos nos apresentamos dispostos ao diálogo. No primeiro incômodo fechamos a cara, saímos do grupo do Whatsapp, ficamos por dias – ou anos em alguns casos – sem falar por puro orgulho. Perdemos uma boa viagem, um bom jantar, uma boa gargalhada com o amigo desastrado, uma confidência da tia agradável, o momento que a tão disputada coxa do peru de natal acaba caindo ao chão, a vergonha de uma dança ridícula, uma noite ou tarde de sexo gostoso. Tudo por orgulho.
Reginaldo acabou de dar o braço a torcer. Nem doeu. E se tivesse doído seria por bem menos tempo e intensidade que ficar dias dentro de uma armadura. É ou não é muito engraçado quando a criança está de bico e tenta, com delicioso insucesso, não rir de algo hilário? Numa conta simples você percebe que o tempo perdido com a cara fechada é imenso. A sorte é que Reginaldo é apenas uma personagem fictício e eu, como escritor, posso facilmente reescrevê-lo substituindo esse orgulho por amor-próprio. Reescreva também.


Thiago Kuerques