sábado, outubro 04, 2008

Namorada da infância - Fim

Eu estava desinspirado. Preferia não contar mais dessa história. Meu tio solteiro, velho e estranho dizia que a melhor relação era aquela que não existia. Sempre esquecia de dizer que tio e sobrinho também era uma relação mas tinha medo dele falar que nossa relação era uma das piores para ele. Este tio certa vez nos viu juntos. Nos viu em um beijo extenso. Não era discreto. Fez barulho. Deu um sorriso e foi embora. Clarisse ficou com medo que ele contasse. Porquê esconder? Eu dizia. Porquê mostrar? Dizia ela. Era despedida. A pequena me deu uma carta e um vidrinho de perfume pelo final como lembranças.
- Tenho que ir.
Ela dizia que tinha que cuidar da filha. Entendia. Pediu para que eu fosse junto. Devia ser por educação. Nessas horas não se aceita. Mas eu fui mal educado. Aceitei.
- Desculpa, mas você não fala da sua viuvez.
- Vai ver é porque eu posso ter matado meu marido e não querer que você se assuste.
Cínica. Interessante como via traços da menina em uma mulher desconhecida. Ou era estranho como conhecia uma mulher que tinha em si uma menina que sempre fez parte da minha vida. A casa era apertada e bem arrumada. Era suburbana e das mais ricas que conheci. Tinha detalhes e era lisa ao mesmo tempo.
Era aniversário do Trum, o filho da Dona Tânia lá da rua. Trum era apelido de um menino magrelo e mais alto e que eu nunca soube o nome. Alto demais para quem tinha treze anos. Crespo. Tímido. Muito tímido. Mas teve festa. A casa do Trum era no terceiro andar de um prédio de três andares e uma coberturazinha. Era na cobertura. Uma espécie de salão, um play. Até que na hora do parabêns eu não a vi. Procurei passando os olhos pelas janelas, portas e cantos. Sem sucesso. Varanda, porque não? Porque ela não seria capaz. Foi. Olhos amendoados, cílios grossos e olhar cínico. Cheguei na varanda e ela cruzou meu caminho. Voltou para o salão, bela, esbelta e canalha. Deu tempo de lançar a ironia no fundo dos meus olhos. Na varanda o Rodrigo sorria. Apenas sorria para o nada. Não me viu entrar. Não me viu estar. Não me viu sair.
Essa mulher tinha traços de Clarissinha. A gargalhada. Tomamos uma dose de caipirinha com menos limão que o necessário. Depois de algumas as coisas perdem um pouco o sentido. Ou eu passo a sentir mais que o habitual. A lua sorria. Você, caro leitor, sabe bem que tem certas luas que sorriem, certas luas que gritam e certas luas que são como certos amores antigos que estão ali mas não estão.
Naquela noite vimos a lua. Acho que pegamos no sono. Duas crianças que abusaram na dose de inocência e ousadia. Crianças das pernas pequenas, braços pequenos, bocas, pés, dedos, tudo pequeno e mente tão grande. Adultos das pernas grandes, braços e tudo grande e mente pequena. Achei o meio termo.
Naquela noite abusamos na dose de caipirinha. Dois adultos infantis, nostalgicos, ridículos.Peguei a chave. Saí. Tranquei a porta. Taquei a chave por debaixo da porta. Enquanto esperava o elevador, depois apertava a tecla P e saía do prédio eu começava a raciocinar. Tecla P. Pena. Porção. Passado. Partida. Nada volta. Tem coisa que tem que permanecer. A viúva não é a Clarissinha. Nunca será. Peguei meu celular de volta, anotei o número num pedacinho de papel e deixei em cima da mesa da sala. Quem sabe Clarissa, hoje? Ou não. O ontem não volta. Nem quando se tem treze anos rabiscando portão com iniciais, fugindo inconsequentemente para a praia, em festinha de amiguinhos ou arremessando celulares em bolsas alheias. Sejamos razoáveis e anormais. Era a minha versão Capitu e eu não sei se queria ser Bentinho.
A Capitu apareceu e me esfacelou como eu previa. Mas eu sobrevivi.

8 comentários:

carolbardi@hotmail.com disse...

Maravilhoso! O texto, e sobretudo, VOCÊ.
Está cada vez melhor mano. Eu viajei completamente na história, rs.
É verdade que o "ontem não volta", mas o amanhã pode ser parecido, neh? rs.
TE AMOOOOOOOOOOOOOOOO demais, demais, demais... Meu orgulho! :)
Beijos com muitas saudades!

Paula Calixto disse...

Nuances do Amar.

Inspira! Respira! Solta!

Pra dentro, pra fora.

O que está lá é cá.

Sempre.

Beijos.

Fabio Valentim disse...

Leio este texto e me lembro da minha primeira namorada. Era um doce de menina. Beijos.

Anônimo disse...

O_O

...esses textos seus me dão uma nostalgia que dou na parede do estômago, saka?!
digamos que eu tenho um Capitu ¬¬'

você sempre impecavel com seus textos!

adorei thiago

beijos

Melissa disse...

Ainda bem que vc sobreviveu para nos contar e encantar!
Thiago, saí do orkut e voltei para o blog.
Casa nova.
Bjs, Mel

Anônimo disse...

Que saudade q eu tava do Thi...o amigo mais original q eu tenho...ainda eh neh!???!?!!
hahahahahaa
Belo texto...blog demais como sempre...to de volta a ativa...vai lah qdo puder tah!???!!
Bjoos

Anônimo disse...

Thiiiago.
Eu já tinha lido as duas primeiras partes, mas faltava a cereja do bolo !
rs.
Acho fantástico o que você escreve. Gosto muuito !
=)
Beijãão ;*

Cinthia Pascueto disse...

Um tanto atrasada, é verdade.

Mas nunca é tarde pra reconhecer que eu compraria seus livros. Compro. Pago no ato.

Todos temos um pouco de Bentinho que não queremos, desejando ser Capitulina de alguém.

Beijo.