quarta-feira, outubro 17, 2007

Por Parte de Pai

Dezenove anos com muitos sonhos. Magro, de óculos, pálido, agradável. Uma vida sendo aberta pela frente, um clarão de que se tem notícias nos melhores momentos da vida. O chevette 79 na garagem e suaves prestações na conta. O ano era o de 83. Só vivendo à época para saber o quanto era incrível ter um carro tão atual. Um carro de quatro anos atrás? Cheira a novo, dizia. Trabalhava como desenhista em uma grande empresa. Não me pergunte o que era ser "desenhista". Vale dizer que é o equivalente ao engenheiro dos dias atuais. E, principalmente, estava se casando naquele ano com uma mulher incomparável com qualquer habitante do universo. Após um bom tempo de namoro, um satisfatório tempo de noivado e o tempo que fosse a ser incluso, era o tempo ideal, a estação perfeita para o trem do amor fixar moradia. Todos os sonhos românticos de um tempo bom estava acontecendo. Em casa era comum. Eram sete irmãos sob a tutela do Senhor Jorge e da Senhora Ieda. Uma estupenda família como a minha, a sua e a de quem lê.
A felicidade por completa estava com data e hora marcados para início. Dia 03 de dezembro do ano corrente, 1983. Fosse um desfile da Beija-Flor de Nilópolis o campeonato estaria decidido tamanha felicidade e brilho do casal e do casamento. A semana precedente ao casório fora normal, corrida, ansiosa e animada. Flores para a igreja, buffet, convidados, lista de presente nas lojas, vestido, terno e tudo mais.
Aos 11 anos, Ronaldo sofreu um acidente de carro. Um acidente nada fatal. Uma batida alheia que o fez bater com o peito no painel do veículo. Após o acidente surgiu algo no coração. Uma espécie de sopro, um vácuo. Toda vez que praticava esporte sentia-se mal. Um cansaço fora do comum foi notado. Exames detectaram um problema no coração. Uns diziam ter pouco tempo de vida. No cerne da verdade haveria de fazer operações de cinco em cinco anos ou tomar remédio para o resto da vida. Eram restrições terríveis para o resto da vida. Preferiu a segunda opção tendo como conseqüência não poder haver esforço físico. Uma vida inteira assim.
Cedo. Sete e pouca da manhã. Dia três de dezembro. O dito rapaz corria de lá e de cá. Não casa-se todo dia com a mulher da sua vida, dizia. Seu Jorge pedira, tempos antes, que se fosse o caso de morte, que a vida o levasse no lugar do filho. Achava cruel ver uma vida tão plena ser tirada assim, injustamente. O casamento estava prestes a começar. Desde cedo Jorge não parecia nos seus melhores dias. Ronaldo arrumou-se, aprumou a flor no bolso da frente do terno e correu para a felicidade. A benção pai e mãe.
A cerimônia começou. Seu Jorge e Dona Ieda não apareceram. Aliás, Dona Ieda apareceu e ficou tão pouco que sua ausência fora mais notada que sua presença. Após o casamento a pior notícia sussurrou em todos os ouvidos. Seu Jorge havia falecido. Seu coração atacou talvez pela emoção ainda em casa, sentado ao sofá, sozinho com sua esposa. Não pôde ver o casamento do filho. A causa? Coração. Exatamente o problema do filho. Só que seis meses antes todos os exames comprovaram a saúde impecável e o coração de criança, jovem e forte de Seu Jorge. Não havia nada em seu coração.
Pouco tempo depois novos exames em Ronaldo não detectaram qualquer anormalidade sequer. Estava curado e ninguém sabe explicar como. Dona Ieda contou uma promessa de Jorge: No dia que meu filho tiver de partir, que eu vá no lugar. No dia do enterro sua recém esposa prometeu que o nome do primeiro filho seria Jorge.

Meu nome é Jorge Thiago Ladeira Kuerques, filho de Ronaldo e Cristiane, neto de Eloísio Carlos e Francisca França por parte de mãe e de Jorge e Ieda Kuerques por parte de pai.

7 comentários:

Anônimo disse...

realmente mto intima a historia, mas muito linda..!!! Seu vô estaria orgulho de saber como o neto escreve bem! =)

te adoro demais

Letícia Losekann Coelho disse...

estava passando e resolvi parar e ler esta historia linda! Gostei dos teus escritos!
abraços

Anônimo disse...

Querido, que coisa mais emocionante.
Chorei lendo, pela emoção, pela saudade que sentí aí, nessas letras, pelo orgulho, pelo amor transbordante de pai e filho.

Lindo.. de viver.

Beijos

... disse...

Conseguiu me arrepiar de novo.
E muito. Lembro de vc contando a história. É linda... mesmo!
De acreditar que coisas inexplicáveis realmente acontecem!
beijinhos

Letícia disse...

Dizem que existem mt mais coisas entre o céu e a terra...
Eu digo que existe um Deus maior que tudo...capaz de tudo!

E digo mais...a sua vida, antes e durante é digna de livro, um bem escrito, por você!

Beijos!

Bárbara Lemos disse...

Emocionante... emocionado, moço?

Anna Flávia disse...

Poxa vida... Que coisa é isso de amor de pai e mãe. Parabéns por descrever de forma tão bonita e emocionante.

Beijo