segunda-feira, novembro 24, 2008

Cena I

Tirara a mão esquerda de cima da mesa e a pusera no próprio colo. Enquanto a mão direita atravessava suavemente a face, da maçã do rosto à nuca, enfileirando os fios de cabelo atrás da orelha os olhos me buscavam para que eu respondesse à pior indagação da minha vida.
- Não, não te traí.
A cabeça começou a recair-se sobre as duas mãos, escondendo os olhos. Os cabelos já teimavam novamente em escapar do abrigo que lhes foi imposto. Lágrimas esconrriam.
- Mas eu tenho certeza que sim.
Não saberia descrever o que se passava comigo. Tremiam-me as mãos. Havia um princípio de mancha em cima da tábua da mesa, arredondada gotícula. Sentia já o salgado em meus lábios. Tudo que caía era céu e o que subia, no chão estava.

Chovia o bastante para gripar a alma e encharcar a roupa. Pisei com o pé direito no tapete simbólico da varanda. Meu celular tocou. Na verdade, vibrou. Só que vibrava com tanta intensidade que mais parecia um toque. Ouvia-se a metros. Era ela mesma. Cometi a falha de atendê-la e dizer que já estava na porta. Ouvi ruídos diversos como se houvesse uma faxina repentina em minha casa. Isso às 16:00 horas. Abri a porta da sala. Por segundos nada falei.
- O que faziam?
- Conversávamos.
Não gostei da presença dele naquela tarde. A disconfiança tomou-me a sanidade de assalto. Em dez minutos se dispusera a despedir-se de nós. Após a partida dele ficou no ar aquele cinismo. Ela havia dito que sobrou pipoca. E eu apenas certifiquei-me da racionalidade da coisa.

Sentei-me à frente da tv exausto e com o peso do universo em minhas costas. Sentia-ma profundamente gratificado e limpo. As notícias eram as de sempre. Uma delas ressoou instantênea: "Jovem de 24 anos encontrado morto em sua própria casa na tarde desta terça. Overdose de anti-depressivos." E outra: "Encontrado corpo de mulher de 20 anos após ataque fulminante do coração." Até que ela aparece linda e cínica com a silhueta na frente da tv. Demorei a levantar os olhos. Admirava cada segundo daquilo tudo. Esperava pelo pior, pelo melhor, por nada. Subia pelas canelas, coxas, cintura. Suas mãos repousavam sob a barriga. O ventre estava por ali. Subi rapidamente minha visão para os seus olhos. Lacrimejavam. Olhava afetuosamente para mim e logo em seguida esfregava carinhosamente a barriga.
- Obrigado.

5 comentários:

Cinthia Pascueto disse...

Você mata e desmata e recria magnificamente toda sorte de dramas alheios.

Maestralmente.

Anônimo disse...

Oh, lereeemos nascer um bebe??
=)
rsrs
Beijos!

Anônimo disse...

O comentario de cima é meu..coloquei anonimo sem querer..rs

Anônimo disse...

por isso que não deixo de ler!!!
cada dia melhor.
ótimo, ótimo!!!!!

adoro esse blog, aquii


beijos thiago

Unknown disse...

Adoro ler o que escreve! Parabéns!