quinta-feira, março 04, 2010

Ciúmes de Júlia

O ciúme é um dos sentimentos mais mortais do universo. É uma síndrome passiva que nos é avassaladora em certo momento da vida. Bebemos do vírus do ciúme assim que comemos da fruta do amor. É como um alimento cítrico que traz o bom do conteúdo e o caldinho discreto e amargo. Provamos do bom do amor ingerindo também o hospedeiro ciúmis doentius. Nas palavras de um pensador caquético quem ama sente ciúmes. O biólogo cruzou a esquina berrando que o ciúme para o amor é como aquele cardume de peixinhos seguindo a baleia jubarte, se alimentando dos restos do que o mamífero maior come. O médico chama de mal de amor, como os de Parkinson. O sociólogo chama de mazela. Que seja. Não chamo de nada. Não o convido para ficar tão perto. Porque ciúme é uma faca afiada demais, um revolver ultrajante e fatal. É a síncope sintética de um metal indestrutível. É meu veneno, minha água. É onde eu e você bebemos como termômetro para se saber se há amor.
Júlia, uma mulher rodriguiana. Nelson diria que ela era de parar o trânsito, fechar a rua sem prazo de abertura. Claro, seios fartos, postura altiva, criatura dos infernos mais prazerosos da libido masculina e, até, feminina. Casada, de certo. Decotada, de errado. Provocava incovenientemente os maiores sonhos até nos amigos. Também pudera. Além de tudo possuía um quê de criança pedindo colo, uma voz sussurrante, um alvoroço no olhar amêndoa que, obviamente, ela mesma sabia ser capaz de tudo. E conseguia emprego, facilidades, passar a frente em filas e até descontos voluptuosos. E, como se não bastasse, dizia não saber entender quando um homem possuía segundas intenções e se algum convite era mais que um simples convite. Essa era Júlia. Que homem suportaria tamanha sensação de insinuante desconfiança? E na cama, como todas as mulheres, convencia tanto no orgasmo que até disso o pobre marido desconfiava. Felicidade e esmola demais o santo, mesmo que seja do pau bem oco, desconfia. Começou a ver mensagens no celular, a ligar para o trabalho dela, a andar pelos cantos. E via coisas suspeitas mesmo. Um amigo mais presente. Um carinho mais forte e qualquer palavra além de bom dia seria crime. E foi.
O marido, como os maridos de Nelson, resolveu tratar uma rodriguiana da forma que merece. Tratou de despi-la no meio da rua, na frente do bar, leu cada mensagem do celular e o e-mail tosco de um admirador. Não esperou que fosse inverdade. Era verdade para ele mesmo que fosse mentira. Após a leitura, sem sabatinar a mulher, abandonou a praça, a rua, o público e a mulher nua e talvez adúltera. Nunca se soube, como nos orgamos múltiplos o que é falsidade e o que é verdade, se ela realmente o traiu. Como a primeira frase diz, o ciúme é um dos sentimentos mais mortais do universo, meu caro. Saiba degustá-lo.

7 comentários:

Unknown disse...

O ciume é um dos sentimentos mais traiçoeiros. Podendo ser um veneno quando se tem grande quantidade, mas que tb pode ser até bom na dose certa!
Adorei a forma com que as características de Julia foram retratadas.
Parabéns.

Roberta disse...

Cruzes, Thi. Fez pra mim? rs
Ciúme é perigoso. Mas eu concordo com o filósofo caquético: quem ama, sente ciúme. Só não pode passar do limite. O ruim é saber qual é esse limite...

Comunicação disse...

Ciúmes. Eu tenho em excesso... também tenho tanto amor... mas não reclamo... um dia eles serão separados, e os ciúmes, superados... O exercício de mantê-los em nossa parte escura [os ciúmes] é no mínimo interessante... enfim, inspiradíssimo você, como sempre. Fica de boa!

Vitor disse...

Discordo radicalmente. Ciúme é prova de insegurança quanto ao próprio sentimento.

Quem ama plenamente confia. Cegamente.

Leticia disse...

Quem souber a receita pra não sentir, me ensina por favor? Enquanto não me passam, continuo tentando lidar com ele. Sabendo até onde ele não me tira o que mais me faz feliz.

Leticia disse...

Ah, ainda em tempo. Sentimento é único e cada um sente de um jeito. Ninguém pode dizer se há amor de verdade, se há confiança, pela existência do ciume ou não.

Unknown disse...

Gostei muito do texto Thiago...
Sofro desse mal, apesar de confiar. Como você disse no texto, tá quase implícito basta começar a amar p/ sentir ciúme, é claro que uns demonstram mais, outros menos. Eu, como toda boa ariana, exponho tudo! rsrs
beijo