domingo, maio 02, 2010

Mão Direita

- Bom apetite. - Obrigado.
Quem deseja bom apetite para quem vai escrever? Era coisa de escritor mesmo. Pareciam dois personagens dos filmes do Woody Allen, duas caricaturas dos intelectuais novaiorquinos excêntricos e covardes. Que ele tivesse um apetite enorme por boas palavras, inspiração e tudo o mais do mais. Mas que escritor vai ter boas palavras se ele apenas vive de romances encoxados de mel? As palavras boas estão pelas ruas. E o escritor que vos escreve mal sai do casulo. O Rubem Fonseca, por exemplo, é um enjaulado tinhoso que não suporta sair por ai a toa para ser visto. Mas já viu bastante para uma vasta obra policial. Não precisa nem escrever mais. Quanto mais sair pra ver a vida. Por tanto e tudo, resolvi perambular antes da primeira palavra do último capítulo da derradeira história que me daria talvez o ouro da literatura. Daria o reconhecimento de fãs, os três devotos leitores que, sabe-se lá porquê, continuam lendo persistentemente. E com uma câmera na mão o matuto tirou fotos e deu esmola, molhou e foi molhado, trabalhou e foi muito bem trabalhado. Viu o deficiente mijando em si, arrastando o cotoco pelo chão do trem choroso. Viu a criança engraxando sapatos na frente da rodoviária, tão novo e inocente que ainda sabia sorrir. Ah, deixa pra lá.
Voltou para escrever as ultimas linhas. O dedo indicador da mão direita respondia mal. Parecia fome. Comia algo com leite. E tentou escrever. O dedo indicador se mantinha encolhido assim como o dedo médio se encolhia teimoso que só. Ao passo de mais dez minutos a mão inteira estava paralisada. E era um destro. E só. Ficava por ali sem terminar o romance. Era preciso, a partir dali, fazer nascer a mão esquerda, ou os pés, ou a boca. E fingir que nunca houvera mão direita. O pior, dizia o boêmio, não era não poder escrever. O pior era ter que, pra sempre, apertar sempre com a mão esqueda.

Um comentário:

Caroline Cardoso disse...

Eu adorei esse texto!
O que também não é nenhuma novidade...