quinta-feira, novembro 04, 2010

Céu bastardo do Méier

Detestava perder o controle. Não só da TV mas do DVD, do computador e até de mim mesmo. Bebia da forma que chamam hoje em dia de socialmente. O que, pra mim, é beber passarinhando, dando bicadinha pra não morrer de sede. Não sou de dar bicadinha. Eu bebo pra valer, como pra valer, faço pra valer. Com controle, claro. Eu e Quitéria havíamos brigado. Foi semelhante à falta não intencional. Dei carrinho no jogador sem querer. No futebol tropecei e dei uma pernada na perna do cara. Em casa saí deixando um recado num pedaço de papel avisando que ia pro futebol.
A crônica, meus amigos, é cruel. Foi Nelson Rodrigues que fez a brisa derrubar da mesinha de centro o bilhete que deixei. Quitéria, como boa espécie de mulher teimosa e intolerante, quis dar o troco pra quem só tinha dinheiro inteiro. Ligou para duas amigas e resolveu sair sem avisar. Bar do Espuma. É lá que ferve e borbulham os anjos nada pecadores do céu bastardo do Méier. Eu sei disso porque sempre foi lá que ela quis ir e não tinha oportunidade. Tomei duas doses e meia de Whisky, um trago de um cigarro vagabundo e à varejo do bar da esquina, pus os documentos no bolso direito da calça, arrumei o penúltimo botão da blusa, o perfume CK e, aí sim, fui.
Os homens nunca estão preparados para enfrentar seus penhascos. Uns são mais assustadores quando vistos de perto. O Bar do Espuma era ali pra perto do Engenho de Dentro, mais pra lá da Abolição. Não pensei que caberia tanta gente. E eu acharia Quitéria. Dançava com as amigas. Demorei uns três minutos até encontrá-la. Outros dois minutos até conseguir me aproximar tamanha a muvuca. Nesses dois minutos um homem chegou ao ouvido dela. Em dez minutos estávamos à porta do meu fiat Uno preto. Fazia tempo que não fazíamos em um estacionamento. Sei que os meus leitores famintos e famigerados bem sabem o que fizemos no estacionamento. Dali era ir pra qualquer outro lugar. A areia da praia à noite é como gelo seco e inofensivo. Por lá que pararíamos.

O policial queria o teste do bafômetro. Minhas duas doses eram percebidas a três kilômetros de distância. Com o aparelho na minha mão ela me interrompeu. Quis dar um beijo logo naquela hora. Depois do beijo susurrou que era pra dar sorte. Antes do beijo fez aquela cara de pecadora que me faz perder o sentido. No meio do beijo movimentou a língua tanto que me fez perceber o lance. Fiz o teste. Nenhum álcool percebido. Bafômetro zerado mesmo depois de tantas doses. O policial nos liberou e saímos. Demos mais um beijo e, aí sim, devolvi o melhor beijo dos últimos tempos com a bala de Halls da cor preta que ela havia me passado no beijo da sorte. A bala anulou o efeito do que já bebi. Linha Amarela estava descolorida, Avenida Ayrton Senna desacelerada e por aí vai, ou foi. A areia gelada de Grumari foi testemunha do crime que foi ter amanhecido depois de uma longa noite.

5 comentários:

Gabrielle disse...

Adoreiii o texto! Esse texto é um daqueles que o leitor cria e imagina a situação do seu jeito. Por alguns instantes você foge da realidade e entra na ficção. Adoooorooo! Parabéns Thiii!

Renata Sant'Angelo disse...

Muito bom Thi. Um bom conto sempre é bom de ler né?! adoreii ..bjos

Rúbia disse...

Ahh,como sempre arrasando em contos e poesias!sabe que eu amei já! ;)

Bia disse...

Muiiito legal!

Bem q a bala halls podia surtir esse efeito...rs

Que danada ela. =]

carolbardi@hotmail.com disse...

Um dos textos mais completos e aliciantes dos últimos escritos. Está realmente maravilhoso. Entrei na história, me inquietei e emocionei e tudo isso. O enredo é apaixonante. Parabéns mano.

Te amo!