terça-feira, novembro 23, 2010

Na falta de inimigos

Preparou o café da manhã com ovos, pães, queijos e iogurtes. Não estava feliz. Queria estar. Não estava. Se fez parecer, se fez querer e permitiu-se. Sorriso tão gostoso que ao abrir a janela do quarto o dia nublado deixou o sol sair tímido assim mesmo. Chegou com sol próprio no quarto, fez claridade. Acordou o esposo.

- Saia daqui. Não quero acordar cedo. E não to com fome.

No dia seguinte, tentou um almoço especial. Nova negativa.

Três dias depois mais uma vez. Os dias já já estavam nublados, os arrastões nas vias do Rio, as promoções de fim de ano nas vitrines dos shoppings. Um ingresso para o jogo do Fluminense, o quase campeão. Ficou bravo.

A partir daí, silêncio total. E mesmo assim o homem brigava. Se havia almoço, reclamava. Se não havia, esperneava.

Até o porteiro se surpreendeu quando saíram juntos. Foram a um encontro com amigos. Na primeira conversa sobre asneiras do mundo, o casal discordou em ponto de vista. Ele irritou-se e brigaram. A noite da rotina voltou.

Ela combinou consigo mesma três chances. A primeira, foi clara e honesta. Abriu o jogo. Ele ignorou. A segunda chance foi tentar entendê-lo. Escreveu uma carta. Passaram-se três dias e ele não leu. A terceira foi a insinuação. Insinuou-se com o corpo, com a linjerie e com o ciúme. Escreveu de batom na parade do quarto.

- Na falta de inimigos, não brigue comigo.

Já era tarde demais. Um homem perde a paciência toda hora. Uma mulher sempre perde a paciência mais definitivamente.

Correu a esperar o ignorante sair. Ele foi ao bar e encontrou os amigos. Dez minutos depois saiu com apenas um. Esse um parecia ter uns quinze anos. Pararam em uma farmácia. Ela corria pelas sombras. Chorava por dentro. Pegaram um táxi. Ela chamou um rapidamente. O bairro da Penha acompanhava do alto das suas vilas e cruzeiros. Baixaram numa casa pequena. Ela esperou dentro do táxi. Em mais três minutos saíram com um Ford Fiesta cinza. Ela pediu para segui-los. Entraram em um motel. Ela abriu a porta do carro e, completamente acabada, danou a chorar. Fez cara de cebola. Enquanto o marido entrara com um homem num motel os passantes não se cansavam de chamá-la de deliciosa.

E era um desperdício. Pelo menos até aquele dia.

2 comentários:

Rezigirl disse...

Conseguiu unir problemas reais de uma forma sutil e envolvente, formando como sempre, um belíssimo texto! PARABÉNS!

Bia disse...

Tadinha dela.

Tentou demais, na minha opinião!
E me irrita ela ter terminado a história chorando, e não ele. rs

Mas mto boa! Como sempre!
Beijoo