segunda-feira, dezembro 06, 2010

Segundo Camões, a língua dos anjos

E veio com a ponta dos dedos tocando minhas costas. Eu precisava. E era das melhores. Enquanto uns e outros cismam que massagear é apertar eu não diria que boas palavras massageiam a alma, certo? Errado. Até violência massageia a alma. Inferno gostoso. Dor prazerosa. E as pontas dos dedos mesmo assim faziam circular o sangue, diminuia a tensão dos ombros, aumentava o tesão entre as pernas. Nos viramos e a massagem que era da ponta dos dedos foi para a boca. E ninguém diria que um não sabia o nome do outro. Os lábios dela beijavam a curva do musculo da minha coxa. Os dedos corriam atrás dos meus joelhos, subindo. E eu ainda tive a cara de pau de dizer que eram cócegas. Não vou esquentar mais o assunto porque o Rio de Janeiro já ferve demais e eu, meus amigos, não quero ser responsável por incêndios em bairros nobres da cidade como o das recadatas da Pavuna, dos reclusos da Penha, da sonhadora de Anchieta e do ruim de bola de Jacarepaguá.
Hoje chamam de "vibe" a onda boa que vem do lado de dentro da cama. Eu chamo de romantismo, curtição, sei lá. Sei que é bom. O efeito, dizem os especialistas, é como o de uma droga. Eu sou altamente dependente, confesso. Só que essa droga era protagonista e antagonista ao mesmo tempo. Era o controverso dotado de chuva que não inunda, sujeira que não imunda. Não é machismo meu querer ser forte e rei. E não seria ousadia dela querer ser altiva e rainha. Eu a fazia rainha do meu reino, sempre. Fazia mas confesso meus defeitos. Só que ela não me fazia ser me tronar como rei. A coroa da moeda era cara. O coroa era novo demais. A coroa não tinha ouro, tinha espinhos nada afiados que desafiavam o que eu queria: você, ela, no caso.
Eu corria e ela andava. Eu chorava e ela se ria. Eu cantava e ela ignorava. Mas nada com vontade de desagrado. Era dela. Era ela. Só que, se sou dois ou três centímetros mais alto ela queria me diminuir. Não era por mal, eu até sei. Mas não era por bem. Eu falava sem concordância e ela gargalhava. Eu comia sem classe e ela adorava. Ela não gostava de rir. Gostava de ser superior. Detestava meu jeito caipira mas era apaixonada pela minha sinceridade e até sabedoria de interior. Até que o moço, bom sujeito não deve ser, cantou e encantou. Eu brigava. Não sou possessivo, sou ciumento. E ela passou a querer requeijão ao invés da minha mão; passou a querer noite na boate ao invés de passeio de caiaque; passou a querer cinco cavalheiros ao invés do meu saveiro. E ela era da pós-graduação, dos filmes de alemão, de ler Veredas do Sertão e de comer comida japonesa com a mão. Sei não. Parecia maior que eu. E não eram centímetros. Mas eu sabia amar. Ela teve que escolher entre a Avenida Paulista ou a viela Passa Quatro.
De que adianta falar tantos idiomas se não consegue falar a mais bela das línguas? De que adianta falar inglês, alemão, sueco, polonês e mandarim se a língua dos anjos, segundo Camões, ou a língua do amor ela não sabe falar? Me responda, um dia, com a ponta dos dedos.

Um comentário:

Gabrielle disse...

Como sempre viajei ( no sentido bom) no texto! Adooooooooro tudo que você escreve! Será que eu nunca vou parar de te dar Parabéns? Beijosss