sábado, dezembro 18, 2010

O Homem de Lata - Fim

Passaram-se três minutos. O sol baixou um pouco. Mas só um pouco mesmo. Talvez uma nuvem querendo assistir a próxima cena. Ou uma nuvem ciumenta já que falei tanto do sol por aqui. Enfim, senhores, passaram-se três minutos e, agora, onze segundos até que ele retornou.
- Eu ouvi seus pensamentos altos. Eu era um príncipe e virei lata. Podia ter sardinha dentro de mim e feder pra caramba; podia ser daquelas latas infelizes dos momentos mais felizes amarradas em cordas atrás de um Mercedes rumo às núpcias de alguém; podia ser uma lata diabética com açúcar mascabo, enjoado com achocolatado ou qualquer troço amargo. Podia ter sido transformado em lataria de Camaro antigo, em peças de ferro velho, em medalha sem valor nenhum; em latinha de refrigerante bem comum. Já até saimos de moda. Tudo passou a ser em lata nos anos 90 - enlatados americanos, lembra? - e agora a moda é o plástico. Camarada, eu poderia ter sido qualquer coisa mas tive a sorte de ser Homem, apesar de ser de lata.
- E eu - continuou - sofri com acasos de ser lata, mesmo que homem. Não sei como mas saqueadores descobriram que eu guardava coisas valiosas dentro de mim. Mal sabiam que o que é valioso pra um pode não ser valioso para outro. Trancaram meus braços e me enfiaram um abridor de latas na altura da barriga. Tiraram meus livros e cartas que eu levava comigo. Me reviraram por dentro e, indignados pela falta de artigos de valor, prenderam-me a uma árvore ainda aberto e se foram.
- Mesmo assim queria ser lata para não ter um coração - eu disse.
- Não sabe o que diz. Acompanhe o resto da história: em três semanas de sol e chuva eu realmente "bati lata". Os pombos desamarraram as cordas e trouxeram de bicada em bicada óleo muito provavelmente de algum vazamento de algum carro velho que havia estacionado pela estrada. O mal dos homens é o tempo que os envelhece e os tornam gagás. O mal das latas é o tempo que as tornam aderentes e enferrujadas. Você só quer ser lata porque não sabe os males do ferrugem.

Ambos pararam de falar. Pensaram. No que o Homem de Lata continuou:

- Não é porque te magoaram um coração que você deve deixar de dar coração pra alguém. Não é porque deu errado uma vez que dará errado sempre. Nem todas as latas são enferrujadas como nem todos os homens são cafajestes e nem todas as mulheres fazem um homem sofrer.
- Pois então concordo. Te escrevo um conto, até dois.
- Eu fico muito agradecido. Muito obrigado... de coração.

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