quarta-feira, abril 07, 2010

Filme B

Abria a porta da casa e deparava com aquele branco belo e triste. Tinha vontade de desistir. Podia mas não devia. Custou a chegar. Era ganhar ou ganhar. Sonhava voltar para o Brasil em dois anos. Só queria juntar dinheiro e voltar. Depois da morte do marido não fazia sentido continuar naquele lugar. Ajeitava então a luva e o cachecol e saía de fininho, cabeça baixa para cortar o vento da cara. Pulava de tudo até chegar ao bar. Não dizia nada além do que precisava. E não precisava dizer nada. Era só limpar e limpar. Limpava o salão, a calçada, o banheiro e a cozinha. Era essa a ordem. Pegava o esfregão, sacudia, jogava o lixo no latão dos fundos e cantarolava pra dentro músicas que a fazia lembrar do calor, dos amigos. Saía lá pras duas horas da manhã. Caminhava os dois quarteirões de volta. Comia algo quente, ia dormir pra acorda só às duas da tarde do dia seguinte.
A seis meses a rotina não mudara. No máximo passaram a dar abraços silenciosos da mulher quieta. Não era feia. Ela se achava desinteressante. Nem todos concordavam. Jhon, um galês com cara de caminhoneiro de filmes B da Escócia, era um bom homem. Contava histórias da segunda guerra. Noemi era panamenha e falava aquele espanhol sujo até quando era silêncio. Manolo, cubano e não-fumante. Gomez, americano descendente de cubanos. Yoko, Koto e Gushev. Japoneses e russo, respectivamente. Todos sabiam o que Maria era. E por isso escoltavam, cada um em um dia, o retorno dela para casa. Era perigoso. As ruas de Tóquio já não eram tão seguras. Morava perto do Mc Donalds local, ao lado do Hotel Sunroute Plaza Shinjuku.
O Hotel para as classes mais baixas abrigava tipos de todos os cheiros, caras e nações.
Era dia dia de final do campeonato nacional de Baseball. É o esporte ocidental mais popular depois do sumô e do judô. Dessa vez ninguém escoltou Maria até sua casa. Os Yomiuri Giants perderam vergonhosamente. Maria, que não é de torcer, sequer entendia disso. Atravessava debaixo da fina chuva um grupo de torcedores revoltados. Paravam Maria. Antes que esqueça, o segredo de Maria era não saber falar. Era surda-muda. Os homens pergutaram as horas. Ela não respondeu. Pararam-na no braço. Deram tapas nos ombros. E nada de responder. Maria, assustada e estática, se soubesse falar talvez não falaria. Aliás, podia até ter dito que não tinha time e nem tinha culpa pela derrota. Não usava relógios. Não gostava de ver a hora passar. E náo mais passou. Matsui é o nome dele.

2 comentários:

Unknown disse...

Gostei!
Prende a atenção até o final...
beijo

Bia disse...

Muito triste para mim.

mas não perde a qualidade de sempre.

=]
Beijo.