quinta-feira, abril 29, 2010

O livro que amaldiçoava quem o lia pela metade

Andrezinho, que não é o do Molejão, corria das letras como toda criança. Pelo menos como toda criança que conheço que são uma meia dúzia de figurinhas que uma hora eu quero matar um pouco, outra eu quero matar de vez. Desculpa, mas não é nada disso. São boas crianças tolas como eu fui, como voce foi, como nossos pais foram e cismam dizer que nem eram. Imagina tua mãe tolinha menina dando mole pra um daqueles meninos populares à epoca do segundo ano do segundo grau? Ensino médio é a média que fizeram conosco, geração jaspion e chaves prima mais velha da geração teletubbie e pokemon. E Andrezinho, com 11 anos, nunca havia lido um livro por inteiro. Nem o livro do Joelho Juvenal. Muito menos as aventuras do Menino Maluquinho. Só queria saber de jogos on-line no PC, Ben10 na TV e Coca pra beber. Muito se passa por ai mas a Coca-Cola é a mesma que nossos pais bebiam.
O menino recebeu um livro de presente de aniversário cujo título era "A cadeira que falava verdades". Rá, cadeiras não falam, dizia ele. Menino burro que não conhece metáforas. Sabia muito bem quem era o Adriano Imperador e a escalação inteira do time do Flamengo. Mas não sabia nem o que era a ironia. Que assim seja. Mamãe e papai sequer olhavam para Andrezinho. Era a babá, a explicadora, a diretora do colégio, os inúmeros professores como garçons de rodízio de pizza onde nunca dá pra saber o nome, porque, afinal, são tantos. Andrezinho não havia lido sequer um livro por inteiro. Só alguma parte ou outra. O menino se achava esperto. Do tipo que colava na escola. As histórias boas é que não colavam nele. Sonhava vez por outra que era enforcado pela letra G. Arriscava não escrever nada na vida com a letra G. Achava que o F parecia o T maltratado e o T parecia uma espada quebrada. Outro dia sonhou que o P era um picolé derretendo. E se metia a acordar com medo dos livros. No último dia antes das férias meteu-se a dormir de cabeça molhada. Sonhou com o livro "A cadeira das verdades". Viu-se com 44 anos, velhote, magro e barrigudo, solitário e pobre. Na sua casa tinha quase nada. Nao tinha palmeira nem cadeira. E trabalhava na limpeza de uma biblioteca. Não tinha criança e nem mãe. E nem tinha beleza. Tinha moleza. E era mole demais pra ler. E queria ler demais. Um livro inteiro. E foi lá saber que a cadeira que lhe faltou foi aquela que dizia verdades. As cadeiras nos acomodam demais. Se falassem um pouco Andrezinho saberia que ficar sentado demais machuca os ossos, causa barriga e quebra, mais cedo ou mais tarde, a coitada da cadeira. Afinal, a cadeira que fala perde tempo demais para poder andar. Andrezinho acordou e leu de uma vez só o livro. Foram as férias mais animadas da vida dele.

3 comentários:

Leticia. disse...

"Sabia muito bem quem era o Adriano Imperador e a escalação inteira do time do Flamengo. Mas não sabia o que era a ironia" Porque o que não presta, eles aprendem mais rápido =P Brincadeirinha!rs Ótimo texto, normal.

Carlos Mendes disse...

Thiago incentivando a leitura infantil, hehehe. É isso ae.

Mariana Plácido disse...

Adoreeeei o texto.
Super criativo e divertido, adorei a analogia com a palavra.
Principalmente o p derretendo.ehehheh
Mas, o titulo é bem pesado não?!rs